Domingos Bailundo, cidadão angolano de 35 anos de idade; nascido no Kwanza Sul e residente no município de Cacuaco, bairro Garcia, encontra-se desparecido dos seus familiares desde o dia 06 de Junho do corrente ano. O jovem era trabalhador por conta própria, um verdadeiro guerreiro que através do serviço de moto táxi, vulgo Kupapata, ganhava a vida sustentando a sua família nuclear como era a esposa, filhos, irmãos e uma mãe já idosa e sem amparo para a sobrevivência.
Foi assim que no dia 06 de Junho de 2021 saiu de casa para mais um dia laboral e honestamente ganhar a vida nas áreas de Caop, tendo sido aguardado pelos familiares no período noturno e para o espanto de todos nunca mais voltou. Os familiares o aguardaram no dia seguinte e simplesmente não regressou mais para junto da sua família. Como se de azar se tratasse, dias depois, a sua esposa deu a luz e um outro filho acabou por falecer. Realizou-se durante as semanas seguintes o funeral do filho e ele não se fez presente. Sendo que não era da praz acontecer tal cenário a família decidiu procurá-lo a princípio levianamente para de seguida intensificar pelo facto de a polícia e as rádios não darem o sinal do seu paradeiro. Nos dias posteriores, a família deslocou-se para as áreas da Caop aonde Bailundo trabalhava para aferir sobre a sua presença naquele local junto de colegas de trabalho e de moradores, pelo que foi relado que no dia 06 de Junho terá ocorrido um acidente e ele tinha sido levado por um agente da polícia nacional que esteve no local. Procurou-se pelo agente que confirmou que o socorreu tendo levado-lhe para o Hospital Municipal de Cacuaco afim de lhe prestar assistência medica visto que sofrera um traumatismo craniano. Depois dali, o paciente desapareceu numa confusão tremenda, deixando a família na dúvida se estava morto ou vivo, e onde podia ser encontrado o corpo na eventualidade de ter morrido. Não obstante a isto, procurou-se pela morgue, mas sem sucesso.
A direcção do hospital, arrogantemente afirmou que tinham transferido o paciente para o hospital Américo Boa Vida, mas esta não tinha confirmado tal transferência, pelo que mesmo o documento que o hospital de Cacuaco tinha usado para o efeito remontava ao ano de 2019, sem dados preenchidos devidamente. Depois de várias démarche, preferiram alegar que o jovem Bailundo tinha morrido e o corpo tinha sido entregue aos Serviços de Investigação Criminal (SIC) para o devido enterro mesmo sem o consentimento da família. O SIC não admite tal facto e ninguém diz aonde levaram o corpo. A par disto, muitas questões são levantadas:
• Será que Domingos Bailundo foi alvo de tráfico de órgãos humanos projetado pelos agentes da saúde?
• Será que Domingos Bailundo foi sequestrado e utilizado para actos de feitiçaria?
• Como a família irá fazer o funeral sem o corpo?
A família angolana é essencialmente Bantu e quando um membro da comunidade morre, acaba sendo alvo de rituais apropriados para permitir que este transite tranquilamente para a ancestralidade. A vida e a morte deixam de ser uma mera coincidência e tomam uma dimensão ritual no sentido de agradecer e manter um ambiente saudável entre os vivos. O luto acarreta actos simbólicos que envolve choros que em última instância funcionam como uma espécie de purificação, visto que a morte mancha a estabilidade da comunidade. ‘’Depois da morte de uma pessoa, os seus familiares começam a chorar, a gritar e a dançar sem cessar, com um ritmo cadenciado e monótono. […] Exaltam as suas virtudes e amaldiçoam o causador da morte’’ (ALTUNA, 2006).
Todo o ritual fúnebre que culmina geralmente com o sepultamento encaminha a alma do morto para um contexto dos antepassados no sentido de harmonização do mundo terreno. A manipulação do cadáver pode determinar o cumprimento dos preceitos ancestrais para a acomodação da alma numa dimensão espiritual capaz de interceder positivamente sobre os viventes (Bahu, 2020). Várias vezes em funerais bantu sobretudo em contexto angolano ouvimos lamentações com o seguinte teor: vai com Deus, saúda o tio fulano ou sicrano, interceda por nós... Portanto, a morte é percebida aqui como uma extensão da vida, assim como a possibilidade de reconecta-se à estrutura familiar novamente. O indivíduo junta-se aos seus ancestrais que já se foram (morreram) e passa a aguardar àqueles entes familiares que ainda não passaram pela experiência do ritual funerário.
Todo o ser banto, orienta-se para viver e comporta-se segundo o estilo de vida da comunidade enquanto ser puramente social e coletivista.
A família, o clã, a tribo ou a etnia, são um todo em que cada membro não é mais que uma parte. O banto sabe que está ligado a sua comunidade e não existe um só homem pois, todos sabem que necessitam uns dos outros. O homem está ligado ao mundo visível e invisível ligando-se ao cosmo (deus) e a grupos consanguíneos. É parte da família extensa com um espirito comunitário e esta relação não se destrói, mesmo depois da morte.
A participação vital relaciona o homem com deus, a natureza, a sociedade e mundo invisível. Existe um movimento vertical de Nyembe (Deus) para Muntu (homem); em seguida um movimento horizontal do Muntu para os homens (banto). A comunidade dá existência, formação, sentido e valoriza o individuo que desde o nascimento até a morte se subordina ao grupo.
De acordo com isto, existe a solidariedade vertical, como estando ligado aos antepassados (mundo sagrado). Para o banto, viver é acreditar que a vida é sagrada e o morto continua vivendo na sua descendência. Todas as cerimónias como nascimento, casamento, morte, ritos fúnebres, investidura são presididas pelos antepassados.
Isto se consuma tem início na solidariedade horizontal que ocorre entre membros vivos do mesmo grupo unido por sangue ou parentesco fictício. O banto sente-se irmão do mundo, solidário com o cosmo. O homem morto transforma-se em outro ser, passa a existir de modo diferente sem alguma semelhança com este mundo; a morte é um rito de passagem.
A única causa de morte natural entre os bantu é a de um ancião e quando morre um jovem ou criança a comunidade se sente muito ressentida. Se os ritos se realizarem segundo a tradição (durante a morte as pessoas choram, dançam, gritam, lamentam a perda, chama pelo seu nome, agradecem os seus favores, exaltam as suas virtudes, amaldiçoam o causador da morte; o cadáver é vestido com as melhores roupas, perfumam-no) e o desejo dos antepassados, o defunto chegará ao seu destino, caso isto não ocorra, acarretará desprezos e terríveis vinganças para os vivos; o parente que não vai ao óbito pode ser acusado de feiticeiro (Altuna, 2006).
Domingos Bailundo, é Bantu de gema que se encontra sem paradeiro a mais de um mês. As instituições do estado que deviam proteger o cidadão lavam as mãos como se de Pilatos se tratassem ao não admitir que terão recebido o paciente que de seguida veio a morrer. O angolano sabe que não existe paz com mortos não enterrados, pois, a alma entra numa situação de prisão. O que se quer neste momento é realizar um funeral condigno para Domingos bailundo e dar o devido descanso a ele e a sua família. Não pode correr o risco de transformar o Bailundo em ‘’Kazumbi’’ (alma do outro mundo) que volte e meia, vem atormentar os vivos.
O que se quer é que a luz da constituição se salvaguarda a dignidade da pessoa humana e as instituições do estado devem ser o garante deste postulado. Não podemos ter um país aonde quando vivos não somos desvalorizados e quando mortos somos espezinhados. É preciso evitar cenários como este. O passado de guerra e a violência desencadeada pelo estado ao longo de mais de 40 anos terá promovido a desumanização antropológica do angolano, construindo um cenário aonde a vida não tinha qualquer valor.
Destarte, no âmbito desta lógica, muitos morreram energicamente num cenário em que nada tinham a ver com o sucedido e em tempo de paz, precisamos permitir?
O que ser quer é apenas o corpo do Bailundo.
Oliveira Anestesia
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