Por alguma insondável razão – ou talvez nem tanto – há, no MPLA, sobretudo, gente que parece acreditar piamente que a generalidade dos angolanos é tomada pela falta de memória; esquece tudo.
Todos seríamos, portanto, um bando de desmemoriados.
A escolha, terça-feira, pelos seus pares da 1ª Comissão da Assembleia Nacional do deputado Vigílio Tyova para a leitura do relatório que antecedeu a aprovação da revisão constitucional é prova disso mesmo. Pode não ter sido uma opção casuística.
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Vigílio Tyova é, sim, o relator daquela Comissão. Mas por carregar machas indeléveis na sua imagem deveria ter sido poupado da exposição pública.
Parece que alguém quer, até mesmo com recurso a martelo, enfiar na cabeça dos angolanos que o deputado VT é homem probo, de reputação ilibada. Um homem com folha de serviço irrepreensível.
Há um porém: é que a generalidade dos angolanos não come queijo, alimento que, não se sabe bem porquê, é associado ao esquecimento. E como tem a memória bem viva, a generalidade dos angolanos sabe por que razão Vigílio Tyova foi afastado da chefia do governo provincial do Cunene.
É verdade que à generalidade dos angolanos faltam os detalhes nos quais o Presidente da República se sustentou para tomar a decisão de afastar o falso sobrinho do falecido general Kundi Paihama. Os angolanos não tiveram acesso a esses detalhes porque neste país o MPLA instalou a cultura de que gestão de coisa pública é segredo de uns quantos eleitos.
Contudo e apesar de não lhe haver sido dada toda a informação, a generalidade dos angolanos não vê com bons olhos que alguém que é suposto ter desviado ajudas humanitárias não só se passeia alegremente pelos corredores da Assembleia Nacional como disso se pavoneie, exibindo-se diante de câmaras de televisão.
É preciso repetir que a defenestração de Vigílio Tyova do governo do Cunene esteve associada a fim desapropriado que ele teria dado a ajudas destinadas a acudir populações severamente vergastadas pela seca e pela fome.
Afastado do governo do Cunene, Vigílio Tyova foi acoitar-se na Assembleia Nacional onde, diga-se em abono da verdade, encontrou vários colegas de “ofício”.
《A exposição de Vigílio Tyova na última terça-feira parece sugere que na própria Assembleia Nacional já ninguém acredita que o antigo governador do Cunene corra algum risco de ser molestado judicialmente. Jurista de formação, VT não ousaria tirar a cabeça da água se pendesse sobre a sua cabeça alguma espada de Dâmocles》
Sem a cobertura e protecção da Assembleia Nacional o antigo governador do Cunene estaria engaiolado numa cadeia qualquer, que é lá onde é encaminhada a generalidade dos angolanos, mesmo quando não há qualquer evidência robusta de haver cometido qualquer delito.
Em Angola, como se sabe, o cidadão comum suspeito de roubar botija de gás ou galinha aguarda na cadeia a formalização do processo que confirme, ou não, o seu vínculo com um putativo delito.
Vigílio Tyova, sobre quem impendem suspeitas de cometimento de crimes hediondos, aguarda, tranquilamente na Assembleia Nacional que a Procuradoria Geral da República se encha de coragem para requer o levantamento das suas imunidades.
Com imunidades suspensas, Vigílio Tyova poderia, então, responder em tribunal e provavelmente veria “decepadas” as mãos com que deu destino diverso a ajudas destinadas a populações do Cunene.
A exposição de Vigílio Tyova na última terça-feira parece sugere que na própria Assembleia Nacional já ninguém acredita que o antigo governador do Cunene corra algum risco de ser molestado judicialmente.
Jurista de formação, VT não ousaria tirar a cabeça da água se pendesse sobre a sua cabeça alguma espada de Dâmocles.
É estranho, mas faz sentido a barreira defensiva que a Assembleia Nacional montou em torno de Vigílio Tyova. É que se a também chamada “Casa das Leis” não oferecesse porto seguro aos seus membros suspeitos de irregularidades, o Parlamento e, sobretudo, a bancada parlamentar do MPLA, correriam o risco de ficar seriamente desfalcados. Como se sabe, há por lá gente que deve explicações à Justiça…Tais são os casos de António Pitra Neto, antigo ministro da Administração Pública, Emprego e Segurança Social, Higino Carneiro, o general também conhecido por alcunhas como Todo-o-Terreno, Peito Alto ou 4×4, ou, ainda, a “mana” Victória de Barros, uma antiga ministra das Pescas que a Namíbia quer ver atrás das grades por haver corrompido altos funcionários locais. À lista junta-se, igualmente, o quase invisível João Marcelino Tyipinge, um antigo governador da Huíla, afastado na sequência de denúncias de que estaria a deitar as manápulas em dinheiro destinado à Educação.
A tranquilidade e segurança com que VT põe o corpo fora da toca – Higino Carneiro também fez o mesmo por ocasião do lançamento do livro em que, fazendo jus ao codinome Todo-o-Terreno, atropelou, sem apelo e nem agravo, momentos da história de Angola, sugerem que a Assembleia Nacional também adoptou como seu o velho lema segundo o qual os cães ladram, mas a caravana passa.
Ou seja, aos nossos deputados – ou pelo menos à maioria – está garantida a impunidade.
Correio Angolense
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