É de elementar justiça registar e encorajar o Presidente da República pela destemida decisão de expurgar a Casa de Segurança e as Forças Armadas da imensa erva daninha que cresceu e se desenvolveu à sua sombra.
As exonerações de oficiais generais da Casa de Segurança, Ministério da Defesa, Marinha, Força Aérea e Exército sugerem uma invulgar determinação de atacar pelos “cornos” as várias pontas do iceberg da corrupção e consequente sangria dos recursos financeiros do país.
Começar essa depuração na Casa de Segurança foi uma decisão mais do que acertada. A Casa de Segurança é, de há já alguns anos a esta parte, o epicentro da roubalheira e da corrupção na Presidência da República. As obscenas fortunas ostentadas por alguns indivíduos tiveram origem na Casa de Segurança do Presidente da República.
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Com a óbvia cumplicidade do Presidente da República, o general Kopelipa transformou a Casa de Segurança na sede da máfia angolana, a partir da qual eram congeminados e executados os maiores golpes aos cofres públicos.
II
Mas o monstro, em que a corrupção nas FAA se transformou, só será domado se for atingido na cabeça. Há uma floresta por detrás da árvore. Essa floresta é a Casa de Segurança do Presidente da República.
Com os seus ilimitados e descontrolados poderes, a Casa de Segurança é, de facto, o grande polvo que irradia os seus tentáculos para todos os ramos das Forças Armadas Angolanas e da Polícia e infectam o sistema financeiro nacional. É preciso e urgente redimensioná-la e reduzir as suas competências e poderes ao que é razoável. É preciso secar o sorvedouro de dinheiro público em que a dupla José Eduardo dos Santos/Kopelipa transformou a Casa de Segurança.
Há demasiadas estruturas na Casa de Segurança ou que trabalham à sua sombra.
“ Para que a sociedade se una no combate à corrupção, é essencial a disponibilidade do Presidente da República para ouvir e aceitar outras vozes. O Presidente da República deveria abandonar a ilusão de ter no seu gabinete toda a nata da inteligência nacional ”
Para a protecção do Presidente da República são conhecidas, pelo menos, três forças distintas: a) Unidade de Guarda Presidencial; b) Unidade de Segurança Presidencial; Unidade de Tropa Especial “Chacal”. Concorrem, também, para o mesmo fim o Destacamento de Forças Especiais de Apoio ao Comandante-em-Chefe, Destacamento Central de Protecção e Segurança da Casa Militar e Destacamento da Casa de Segurança, uma tropa exclusivamente estacionada em Cabinda.
Sob a dependência da Casa de Segurança são conhecidos o Gabinete de Obras Especiais, Unidade de Protecção de Obras e Infra-Estruturas Especiais do Estado, Brigada de Desminagem, Brigada de Limpeza, Gabinete de Estudos de Segurança, Gabinete de Acção Psicológica, Gabinete de Voos do Presidente da República, Gabinete de Saúde do Presidente da República e Banda Musical da Guarda de Honra do Presidente da República.
Dessa multiplicidade de exércitos de segurança emergem algumas questões: a segurança do Presidente da República depende da existência de tantos exércitos paralelos? Para quê servem as Forças Armadas e a Polícia Nacional com as suas diversas unidades especializadas?
Nos Estados Unidos, a protecção do Presidente é assegurada por unidades da Marinha integradas misturadas com efectivos dos Serviços Secretos; em Portugal, o Presidente é protegido por efectivos da Polícia de Segurança Pública e membros dos Serviços Secretos.
Em Angola, efectivos selecionados entre os membros da Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) da Polícia e membros dos distintos Serviços de Informação não assegurariam uma protecção bastante ao Presidente da República?
Essa multiplicidade de exércitos não foi criada com o doloso propósito de ir aos bolsos do contribuinte?
A caminho do quarto ano do seu consulado, o Presidente João Lourenço precisa de desmontar, urgentemente, a pesada e onerosa máquina que herdou do seu antecessor.
Quase quatro anos depois, a Casa de Segurança continua com a mesma dimensão e vocação que a supracitada dupla lhe conferiu: um governo paralelo, mas, infinitamente, com mais poderes do que o governo formal.
Na sua actual configuração, a Casa de Segurança concorre em todas áreas com os departamentos ministeriais – com a diferença substancial de que os seus membros têm mais poderes do que qualquer ou todos os ministros juntos.
Redimensionar a Casa de Segurança retirando-lhe, principalmente, a propensão e facilidades para o dolo, é o ingente desafio que se coloca ao Presidente da República. Na sua actual configuração, qualquer Lussati da Casa de Segurança vai ao BPC e ao BNA e sai com os volumes de dinheiro que quiser. Na sua actual configuração, qualquer Major ou Capitão da Casa de Segurança vai ao BNA e evoca segredo de Estado para requisitar fundos adicionais e sai de lá a assobiar.
III
Por mais determinado que esteja, sozinho o Presidente da República não levará a bom porto a cruzada contra a corrupção. O MPLA, a força que sustenta politicamente o Presidente da República, tem de juntar-se, efectivamente, a esse combate. Não pode continuar em cima do muro, de onde, episodicamente, emite alguns comunicados – não se sabe se sinceiros mesmos – de encorajamento ao seu líder. O MPLA deve tomar decisões que mostrem empenho genuíno nesse combate. Uma das manifestações concretas de apoio a João Lourenço seria, por exemplo, viabilizar, com a sua maioria parlamentar, a criação de uma Comissão de Inquérito para destapar e varrer o lixo que está por debaixo dos tapetes da própria Casa de Segurança.
O escândalo que atravessa a Casa de Segurança do Presidente da República deveria dar ao MPLA o embalo de que precisa para viabilizar Comissões de Inquérito também para Sonangol, BPC, Endiama e outras instituições em que dinheiro público é roubado à luz do dia.
Afinal e como ensina o eminente jurista Leandro Ferreira, nos regimes presidencialistas, as Comissões Parlamentares de Inquérito são os melhores instrumentos de fiscalização dos Governos.
Vale a pena repeti-lo: sozinho, o Presidente da República não levará a bom porto a cruzada contra a corrupção. Mas, para que a sociedade se una nesse combate é essencial a disponibilidade do Presidente da República para ouvir e aceitar outras vozes.
A semana passada, o ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República surpreendeu o país com o anúncio de que o Executivo está a elaborar um plano de combate à corrupção. A pergunta é: esse plano está a ser gizado apenas pelos colaboradores directos do PR? Quê outras entidades foram chamadas a emprestar o seu saber a esse programa?
O Presidente da República deveria abandonar a ilusão de ter no seu gabinete toda a nata da inteligência nacional. O Presidente da República deve abrir-se a outros saberes, que abundam fora da “caixa”. João Lourenço não deveria fazer da luta contra a corrupção um combate pessoal para, no final, reclamar sozinho os eventuais louros. Sendo uma faca de dois gumes – ou, como lhe chama Gustavo Costa “faca de dois legumes”, a luta contra a corrupção tanto pode dar certo como pode dar para o torto. Mas são infinitamente maiores as chances de ele dar certo quanto maior for a participação da sociedade.
IV
A perseguição a Lussatis e seus mandantes não pode fazer esquecer os muitos casos de roubo e corrupção pendentes nos tribunais e na Procuradoria Geral da República.
Sem “carnavalizações” agora na moda, os roubos e desvios de dinheiro envolvendo os Vicentes (Manuel e São) têm de ser levados até às últimas consequências. Os desfalques que se sucedem no Banco de Poupança e Crédito têm de ser decididos nas barras de tribunal. Alguém tem de explicar a razão por que o maior banco público do país hoje é um produto tóxico que, mesmo oferecido, poucos o aceitariam. Os tribunais têm que dar solução ao conflito que opõe o Estado a Isabel dos Santos; os tribunais têm que decidir o destino das empresas e bens arrestados à filha do ex-Presidente da República. Da mesma forma, exige-se que os tribunais decidam o que fazer dos Keros, CIFs e outros empreendimentos pretensamente construídos com dinheiro público.
É urgente acabar com as zonas cinzentas. E, já agora, o país também deveria ter o direito de saber quanto sai mensalmente dos cofres do Estado para sustentar o exílio dourado de José Eduardo dos Santos e do seu exército privado. São recorrentes as informações segundo as quais há bolsos a incharem cada vez mais à sombra do exílio espanhol do antigo dono do país.
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