Novos documentos confidenciais revelam que a BP pagou 100 milhões de dólares a uma multinacional holandesa, a SBM, que aceitou canalizar em 2012 um terço desse dinheiro para uma conta no BCP de uma companhia offshore do Panamá controlada por Manuel Vicente, antigo CEO da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola
Poucas semanas antes de o procurador Orlando Figueira receber a primeira fatia de um total de 763 mil euros que um tribunal de primeira instância em Lisboa concluiuterem sido subornos pagos pelo então presidente da Sonangol, Manuel Vicente, para que fosse encerrada uma investigação que corria contra ele no Ministério Público em Portugal, num caso que ficou conhecido como Operação Fizz, outro acontecimento importante relacionado com a empresa petrolífera angolana e com o seu gestor número um ganhava forma.
A 1 de novembro de 2011 a multinacional petrolífera britânica BP transferia 100 milhões de dólares para uma empresa holandesa, a SBM Offshore N.V., especializada na construção de plataformas petrolíferas flutuantes. Em causa estava um contrato em Angola. A BP desistira da encomenda de duas plataformas que estavam para ser montadas num estaleiro em Porto Amboim, 260 quilómetros a sul de Luanda -- o estaleiro Paenal --, detido em partes iguais numa joint venture pela SBM, pela Sonangol e por uma companhia coreana, a Daewoo Shipbuilding and Marine Engineering Co. (DSME). O valor pago correspondia à taxa de cancelamento desse projeto.
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Pouco depois, em janeiro de 2012, enquanto Orlando Figueira arquivava as suspeitas de lavagem de dinheiro sobre Manuel Vicente, fazendo com que ele ficasse com a folha limpa no Ministério Público, a SBM assinava um acordo com a Sonangol para pagar uma parte da indemnização da BP à petrolífera angolana, no montante de 35 milhões de dólares. O pagamento deveria ser feito para uma conta no Millennium BCP titulada por uma misteriosa empresa offshore no Panamá, controlada por Manuel Vicente e por um colaborador próximo do ex-CEO da petrolífera angolana, Baptista Sumbe, que estava registado como presidente, secretário e tesoureiro dessa companhia.
Os contornos suspeitos de como esse pagamento foi exigido verbalmente à SBM por Baptista Sumbe e de como acabou por ser aprovado por aquela empresa holandesa, apesar de a companhia offshore no Panamá indicada para a transferência, a Sonangol International Inc., não constar, à época, nos relatórios e contas da petrolífera angolana e de ter sido criada através de ações ao portador (isto é, sem os acionistas estarem registados em lado nenhum), foram investigados pelo Expresso, numa colaboração liderada pelo projeto de investigação Finance Uncovered e com os jornais The Telegraph, no Reino Unido, e De Telegraaf, na Holanda.
Na base desta investigação conjunta estão centenas de ficheiros confidenciais, incluindo emails, contratos, relatórios internos e gravações audio de reuniões de crise, fornecidos por um advogado que se tornou um whistleblower (ou denunciante) depois de ter trabalhado para o departamento de compliance da SBM, Jonathan Taylor.
Confrontadas com estes factos, quer a SBM, quer a Sonangol e o Millennium BCP recusaram confirmar se a transferência de 35 milhões de dólares foi efectivamente feita, depois de ter sido aprovada.
Ao longo da última década a SBM tem sido alvo de vários processos judiciais por corrupção nos Estados Unidos, na Holanda e no Brasil, em que a empresa assumiu ter desenvolvido uma prática continuada de subornos a funcionários públicos nos países onde tem operado na construção de plataformas petrolíferas. Esses processos custaram até agora à empresa 830 milhões de dólares.
No lote de indícios acumulados nesses casos judiciais estão pagamentos corruptos feitos através de outra companhia offshore registada no Panamá com a mesma morada que a Sonangol Internacional Inc., a Mardrill, e que tinha também Baptista Sumbe como administrador.
Num processo-crime na Suíça que levou à condenação em outubro de 2020 de um antigo CEO da SBM, Didier Keller, este gestor confirmou que foram pagos 4,7 milhões de dólares em subornos através da Mardrill entre 2006 e 2008, com as transferências a serem feitas para uma conta no Millennium BCP de que esta companhia era titular. O tribunal suíço deu como provado que Baptista Sumbe e a sua mulher, Rosa Sumbe, foram beneficiários finais de, pelo menos, parte desse dinheiro, depois de verificar que durante aquele período houve transferências de 2,9 milhões de dólares da Mardrill para contas pessoais do casal.
Keller contou aos procuradores na Suíça que tentou resistir à pressão que Baptista Sumbe começou a fazer em 2001 para o pagamento de comissões à Mardrill. Mas quando foi ter com Manuel Vicente e perguntou-lhe sobre se ele estava a par desse esquema de transferências, foi criticado por estar a desconfiar do braço direito do então chairman da Sonangol. O ex-CEO da SBM admitiu que, depois desta conversa com Vicente, ficou convencido que os subornos tinham mesmo de ser pagos. No final, o tribunal suíço condenou Keller a uma pena suspensa de dois anos de prisão.
Os documentos fornecidos por Jonathan Taylor mostram que as transferências para a Mardill continuaram depois disso e que, além dos valores mencionados pelo tribunal helvético, a SBM enviou mais 11 milhões de dólares, entre julho de 2008 e agosto de 2011, para a conta no BCP daquela companhia offshore controlada por Baptista Sumbe.
Sumbe não foi nem ouvido, nem acusado na Suíça e o seu paradeiro é desconhecido. Até hoje, apesar de inúmeras tentativas, não respondeu a nenhum pedido de contacto do Expresso. Proprietário de vários imóveis nos arredores de Lisboa, o gestor angolano viveu durante muitos anos em Houston, no Texas, numa casa de 1,3 milhões de dólares, inserida num condomínio fechado e em frente a um campo de golfe. Desde 1997 que chefiava a subsidiária da Sonangol nos Estados Unidos, a Sonangol USA, até ser afastado em 2013 desse e de todos os cargos no grupo Sonangol. Em janeiro deste ano, a mulher, Rosa Sumbe, publicou uma fotografia em que ela surge com o marido no que parece ser a sua casa de Houston, mas não foi possível confirmar se o casal continua a residir ali.
NINGUÉM CONFIRMA OU DESMENTE
Até ao momento, e ao contrário da Mardrill, a Sonangol International Inc. parece ter ficado fora do radar das autoridades.
Assumindo ser dona a 100% da Sonangol International Inc., a petrolífera angolana foi vaga em relação às questões diretas que lhe foram colocadas pelo Expresso sobre o pagamento de 35 milhões de dólares aprovado pela SBM e sobre o seu destino, mas deixou no ar a ideia de que algo de errado aconteceu: “A Sonangol pugna pela recuperação de todos os fundos que, legalmente confirmados, lhe sejam devidos. E é nesta perspetiva que tem colaborado com as autoridades judiciárias, disponibilizando a informação solicitada atinente à recuperação dos referidos fundos”.
Na resposta que enviou, a Sonangol deu a entender que as actividades da subsidiária no Panamá poderão estar a ser investigadas pelo Ministério Público angolano: “Estão proibidas por lei, como todas as entidades coletivas, de qualquer intervenção que envolva interferência em assuntos que estão sob segredo de justiça. Apenas podemos adiantar que a Sonangol E.P. e participadas estão a colaborar com os órgãos judiciais e não deixarão de exigir, no momento e locais próprios, o exercício dos actos tendentes ao cumprimento de todos os seus direitos.”
Também o Millennium BCP declinou fazer qualquer comentário sobre este caso em concreto, optando por emitir um enquadramento genérico: “Em todos os casos, independentemente do eventual relacionamento do banco com o interveniente na transação, o Millennium BCP assegura com o mesmo rigor o dever de exame para todas as entidades e transações, atuando a função de compliance com base na análise da informação e dos indícios que o banco dispõe num determinado momento”.
Baptista Sumbe, que em 2010 ascendeu a administrador executivo da empresa-mãe da Sonangol em Luanda, fez parte da administração do Millennium BCP em Portugal em 2012 (como presidente do Conselho de Remunerações e Previdência) em representação da petrolífera angolana, que era à época a maior acionista daquele banco português.
Sumbe foi também, e até o final de 2013, vice-presidente do Banco Privado Atlântico (BPA) — Europa, o banco usado para os pagamentos corruptos feitos ao procurador Orlando Figueira e que, apesar de o magistrado estar na altura classificado, enquanto cliente bancário, com o nível mais elevado de PEP (Pessoa Politicamente Exposta), não reportou nenhuma das transferências às autoridades -- apesar de elas terem origem numa empresa suspeita e com ligações à Sonangol, a Primagest -- desculpando-se com o facto de ter havido uma falha no sistema informático.
A antiga embaixadora e ex-eurodeputada Ana Gomes, que fez parte de várias comissões de inquérito no Parlamento Europeu relacionadas com crimes financeiros e é uma das vozes mais críticas sobre a forma como os bancos portugueses gerem as suas políticas de combate à lavagem de dinheiro, admite que não fica espantada com estes factos. “Desde a Operação Furacão, conduzida pelas autoridades judiciais portuguesas a partir de 2005, seguida pela Operação Monte Branco em 2011, ficou claro que os bancos portugueses nem sequer fingiam impor o cumprimento e a devida diligência sobre os seus clientes ou sobre quaisquer transações importantes”, lamenta.
“E em particular quando esses clientes eram também membros dos seus conselhos de administração, em representação de grandes acionistas. Portanto, não admira que no caso do Sr. Baptista Sumbe, que era membro da administração do Millennium BCP, em representação da Sonangol, o mesmo acontecesse. O BCP não questionou a utilização de contas bancárias offshore controladas por ações ao portador, porque isto simplesmente não foi feito. Ninguém se importou, ninguém verificou!”.
Documentos a que o Expresso teve acesso relacionados com os registos comerciais no Panamá revelam que Manuel Vicente tornou-se administrador da Sonangol International Inc. a 8 março de 2010, juntando- se a Baptista Sumbe, que já era na altura o presidente dessa companhia offshore. Logo no dia seguinte, de acordo com outra ata da companhia, foi determinada a abertura de uma conta no BPA Europa em Lisboa com poderes de assinatura conferidos não só a Sumbe, mas também a Vicente.
A confirmar-se que a transferência de 35 milhões de dólares para uma conta da Sonangol Internacional Inc. no Millennium BCP foi de facto concretizada, isso ocorreu quando Manuel Vicente já tinha saído da petrolífera estatal angolana, mas continuava a manter, formalmente, o controlo da companhia offshore no Panamá e, assim, a poder ter acesso às suas contas bancárias.
Os ficheiros revelam que Vicente continuou formalmente como administrador da SII no Panamá até muito depois de, em janeiro de 2012, ter deixado a Sonangol para se tornar ministro da Economia e depois, em outubro desse ano, vice-presidente de Angola.
De acordo com uma ata da companhia offshore datada de 17 de julho de 2014, só nesse dia é que Vicente e Sumbe, que também já abandonara a Sonangol, foram destituídos da administração da misteriosa subsidiária do Panamá, quase dois anos depois de o antigo número um da petrolífera estar a desempenhar funções políticas.
Numa troca de correspondência em abril e maio de 2012 entre um antigo chefe de gabinete de Manuel Vicente na Sonangol e uma funcionária da SBM no Mónaco responsável pela gestão de joint ventures na empresa holandesa, a circunstância de Vicente ter deixado a Sonangol a 31 de janeiro desse ano para ser nomeado como ministro não foi levantada. A 20 de abril, esse antigo chefe de gabinete de Vicente forneceu o número de conta da companhia offshore no Millennium BCP onde os 35 milhões deviam ser depositados.
Questionado por escrito pela funcionária da SBM se seria possível a empresa holandesa entrar em contacto com o advogado norte-americano da Sonangol em Houston, nos Estados Unidos, Gary Dugger, para obter informação atualizada sobre a Sonangol International Inc., o antigo chefe de gabinete de Vicente disse-lhe que não. A justificação, para quem conheça o nível de gastos que a empresa petrolífera tinha à época com serviços de outsourcing, foi um pouco surpreendente: “Tendo em conta o controlo de custos dos serviços fornecidos pelo Sr. Dugger, enquanto advogado da Sonangol, deverá solicitar as informações à Sonangol.” A funcionária da SBM não contra- argumentou e limitou-se a pedir, a 2 de maio de 2012, os registos atualizados da companhia offshore.
Contactado pelo Finance Uncovered, o antigo advogado da Sonangol nos Estados Unidos, Gary Dugger, mostrou-se indisponível para prestar esclarecimentos.
Já quanto ao próprio Manuel Vicente, os seus advogados em Lisboa, Rui Patrício e João Lima Cluny, transmitiram ao Expresso qual é a posição do seu cliente — de que ele “não tem nada a ver com tais alegações”. E acrescentaram, sobre a questão específica de como foi possível o gestor manter o controlo da companhia offshore em causa, e que a Sonangol diz ser sua, já muito depois de se ter tornado vice-presidente de Angola: “Após deixar a Sonangol e ser nomeado ministro e, posteriormente, eleito vice- presidente, o Sr. Manuel Vicente deixou de realizar qualquer ato ou assinar quaisquer documentos relativos à Sonangol ou a qualquer uma das suas filiais”.
AS DORES DE CABEÇA E AS JUSTIFICAÇÕES DA SBM
Mas voltemos um pouco atrás, para ver mais em detalhe o modo como a SBM atuou em relação à aprovação do pagamento dos 35 milhões de dólares, com base nos documentos analisados pelo Expresso e pelos seus parceiros.
Depois de a BP ter pago os 100 milhões de dólares em novembro de 2011, a SBM assinou um contrato em janeiro de 2012 em que concordava que, após a dedução de uma série de custos, os restantes 70,3 milhões seriam partilhados a meias entre a empresa holandesa e a Sonangol International Inc. (SII), sendo que não há nenhum indício de que a BP estivesse a par desse acordo.
A divisão a meias dos 70,3 milhões de euros que sobravam foi exigida numa conversa que Baptista Sumbe teve em 2011 com um dos gestores de topo da SBM, segundo o que é relatado num dos documentos internos da empresa holandesa a que o Expresso teve acesso.
Sumbe, que já andava a ser subornado através da Mardrill, fez essa exigência e, apesar de o conselho de administração da SBM ter considerado que não havia nenhuma obrigação contratual para que o pagamento dos 35 milhões de dólares fosse feito, a empresa holandesa decidiu seguir com isso. O acordo de partilha dos 70,3 milhões de euros foi assinado em janeiro de 2012 por Sumbe, em representação da Sonangol International Inc., e por Bruno Chabas, que fora nomeado CEO da SBM nesse mesmo mês.
A história dos subornos a Sumbe através da Mardrill foi mantida em segredo dentro da SBM e não era conhecida por Chabas no momento da assinatura do acordo com o homem de mão de Manuel Vicente. Os documentos mostram, no entanto, que o novo CEO da empresa holandesa descobriu isso poucos dias depois. E que, ainda assim, o pagamento não foi cancelado.
Os documentos dão conta dos esforços desenvolvidos pela SBM ao longo de vários meses para conciliar os problemas crescentes com a prática continuada de subornos levada a cabo pelas administrações que antecederam Bruno Chabas — e que já existiam antes de Didier Keller, condenado na Suíça, ser CEO — com a necessidade de efetuar a transferência dos 35 milhões para a Sonangol International Inc., sob pena de, em caso de não o fazer, poder comprometer o futuro dos seus negócios em Angola.
Para evitar que o pagamento fosse visto como um suborno, a SBM pediu a três escritórios de advogados e à consultora de inteligência empresarial Kroll para verificarem os antecedentes e os contornos legais desta situação.
O acordo assinado em janeiro de 2012 surgiu na sequência desse aconselhamento e acabou por justificar o pagamento de 35 milhões de dólares com o facto de a companhia offshore no Panamá ter de ser reembolsada pelo dinheiro que investira no estaleiro Paenal, em Angola.
Por outro lado, esse acordo assumiu também que a indemnização paga pela BP devia ser repartida de forma igual entre a SBM e a Sonangol International Inc., ainda que houvesse um terceiro acionista do estaleiro, a empresa coreana DSME, com uma posição de um terço da joint venture.
Confrontada com estas circunstâncias, a DSME admitiu, através de um porta- voz, que não possui nenhum registo de ter tido alguma vez conhecimento da indemnização paga pela BP em 2011 ou dos planos da SBM em dividir o dinheiro com a SII.
Outro detalhe importante está na recomendação dada por um dos escritórios de advogados contratados pela SBM para produzir um parecer sobre o assunto, a Berwin Leighton Paisner (BLP), com sede em Londres e que faz agora parte da sociedade Bryan Cave Leighton Paisner, nos Estados Unidos. “Com base nos materiais que analisámos, não nos parece claro qual foi o risco (se é que houve algum) financeiro ou de outro género que a própria Sonangol assumiu em relação ao estaleiro Paenal que justifique receber qualquer montante [da taxa de cancelamento da BP]”, escreveu um dos advogados da BLP.
O escritório de advogados da BLP ainda foi mais longe no seu aconselhamento: “Na ausência de um direito contratual claro em relação a estes fundos, qualquer pagamento feito à própria Sonangol correria o risco de ser entendido (na melhor das hipóteses) como um “lucro inesperado” e injustificado e (na pior das hipóteses) como um pagamento que pode ter alguma intenção corrupta dado o destinatário, o poder que exerce em Angola e o risco de que estes “lucros inesperados” pudessem ser pagos a funcionários do governo”.
“VAI SER DIFÍCIL PARA SI FAZER O QUE ESTÁ CERTO”
Entretanto, a seguir ao acordo com Sumbe ter sido assinado, uma empresa cliente da SBM nos Estados Unidos, a Noble Energy, reportou ter encontrado emails que davam conta de que um antigo colaborador da SBM pagara luvas a funcionários do governo na Guiné Equatorial. Isso levou à abertura de uma auditoria interna por parte do departamento legal da própria SBM, a que foi dado o nome de código “Projeto Pandora”. Foi assim que, de repente, começou a ser desenterrada a prática generalizada e continuada de subornos promovida discretamente pelos CEOs anteriores da empresa, incluindo os pagamentos corruptos feitos a Sumbe através da Mardrill.
Mas mesmo quando Bruno Chabas ficou a par destas revelações, o novo CEO da SBM não desistiu de ir avante com os 35 milhões para a SII.
Gravações audio consultadas pelo Expresso expõem a forma como, na realidade, Chabas pressionou para que, independentemente de tudo o que estava a ser descoberto internamente sobre os subornos pagos a Baptista Sumbe, a transferência para a companhia offshore do Panamá fosse feita.
Numa conversa no final de março de 2012 com o então chefe do departamento de compliance, Jay Printz, ouve-se o então recém-nomeado CEO da SBM dizer: “Pensei que isto [o pagamento acordado com a SII] tinha sido assinado... Precisamos de avançar. Estou preocupado com a relação com a Sonangol, por isso é algo que precisamos de progredir rapidamente.”
Nessa reunião, Printz foi franco com o patrão: “Preocupa-me, sabe, para ser franco, que... vai ser difícil para si fazer o que está certo, o que pode implicar o encerramento de muitos negócios em Angola”. O chefe do compliance esclareceu o que queria dizer com isso: “Quer dizer, estes tipos vão ter de deixar de receber subornos, e não vão gostar disso. E eu sei perfeitamente bem o que se vai desenrolar aqui.”
Três semanas mais tarde, Jay Printz escreveu uma carta de demissão e abandonou a empresa. Dirigida a Chabas, a carta denunciava uma “resistência inapropriada” encontrada pelo chefe do compliance na auditoria interna que estava a conduzir. “É pouco provável que a SBM corrija de forma abrangente as suas práticas de suborno generalizadas”, escreveu Printz, acrescentando: “Continuo preocupado com a probabilidade de serem cometidas mais infrações”.
Durante a nossa investigação, não conseguimos falar com Printz. Depois de o chefe do compliance se ter demitido, Chabas nomeou outro elemento desse departamento para ficar à frente do Projeto Pandora. Mas esse elemento, Jonathan Taylor, demitiu-se também ao fim de dois meses e veio a tornar-se um whistleblower (ou denunciante).
Confrontada de forma extensa e detalhada pelo Finance Uncovered, em nome de todos os media parceiros da investigação, a SBM optou por não responder às questões levantadas, optando antes por reagir de forma genérica. “Parece que estão a contemplar a publicação de um artigo que trata de assuntos datados — assuntos que a empresa há muito tempo deixou para trás”, escreveu a SBM numa resposta enviada por email. “Reconhecemos e assumimos a responsabilidade por irregularidades no passado, mas rejeitamos qualquer tentativa de reutilização de histórias antigas e resolvidas, criando uma impressão falsa e sem fundamento sobre a empresa e a sua gestão atual. A este respeito, podemos confirmar que a empresa e a sua gestão, desde que assumiram o controlo no início de 2012, têm funcionado em total conformidade com as leis e regulamentos, bem como com as nossas normas de conformidade.”
Ao contrário do que a SBM sugere, no entanto, nada foi alguma vez publicado sobre a indemnização de 100 milhões de dólares paga pela BP, nem sobre a Sonangol International Inc., nem estes factos fazem parte de qualquer processo-crime que, pelo menos, tenha sido tornado público.
Apesar da insistência ao longo de meses por parte dos vários media envolvidos nesta investigação, a empresa holandesa recusou-se a confirmar ou negar a existência de uma transferência de 35 milhões de dólares para a companhia offshore do Panamá.
BP DECLINA RESPONSABILIDADE
Enquanto isso, no Reino Unido, a BP também optou por não comentar diretamente as questões que lhe foram colocadas, incluindo se tinha conhecimento que parte da indemnização que pagou à SBM tinha como destinatário uma misteriosa companhia offshore presidida por Baptista Sumbe.
Nas respostas que deu, a gigante petrolífera britânica rejeitou “completamente qualquer sugestão de que agiu de forma inapropriada” na transferência feita em novembro de 2011 para a SBM, admitindo que se limitou a pagar “a soma contratualmente exigida para liquidar a responsabilidade” assumida com a SBM “nos termos do contrato” e que não teve nenhuma relação “ou controlo” sobre o uso dado a seguir ao dinheiro que pagou nessas circunstâncias.
Esta atitude de desinteresse pelo que aconteceu depois com o dinheiro parece não estar alinhada com o código de conduta da BP, que aponta para uma política mais pró-ativa e em que a empresa assume que não tolera a corrupção e que trabalha “para assegurar” que os seus parceiros comerciais partilham o mesmo compromisso, acompanhando os procedimentos de due diligence desses parceiros. O contrato que estabeleceu com a SBM, aliás, conferiu de forma explícita o direito à multinacional britânica de poder verificar os registos e a contabilidade da empresa holandesa, mas quando questionada sobre se fez uso desse direito, a BP não respondeu.
Para Ana Gomes, não só a SBM tem responsabilidades, porque “tinha de saber que não estava a canalizar o dinheiro para o Estado angolano ou para a empresa estatal Sonangol” e por isso “violou a Convenção Anti-Suborno e Corrupção da OCDE, que os Países Baixos ratificaram, para além da Diretiva Europeia Anti-Lavagem de Dinheiro de 2005, então em vigor”, como a própria BP não pode virar a cara: “É claro que a BP deveria tê-lo verificado. A compensação deveria ter sido paga ao Estado angolano, nomeadamente à Sonangol, propriedade do Estado. E não a qualquer conta offshore no Panamá, que poderia ser controlada por qualquer criminoso, como a BP deveria saber muito bem. Ao permiti-lo, a BP sabia que estava a canalizar o dinheiro para funcionários corruptos e criminosos, e a roubá-lo ao Estado e ao povo angolano. A BP é cúmplice da corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes envolvidos neste pagamento.”
A desistência das duas plataformas petrolíferas flutuantes que encomendara ao estaleiro Paenal, em Porto Amboim, foi justificada pela BP com o facto de ter encontrado problemas na exploração das reservas de petróleo do Bloco 31, localizadas em águas profundas, ao largo do norte de Angola, e onde essas plataformas iriam estar a operar. Segundo a empresa britânica, a intenção era apenas adiar o projeto, mas a SBM não esteve disponível para esse adiamento, resultando daí a necessidade de avançar com o pagamento dos 100 milhões de dólares.
Esse contratempo na presença da BP em Angola foi seguido, logo depois, por boas notícias. Em dezembro de 2011, a multinacional petrolífera assinou um acordo com a Sonangol que lhe conferiu direitos de exploração em cinco novos blocos de águas profundas. E em 2012 o próprio Bloco 31 que gerara dúvidas começou a ser explorado, com a BP a recorrer a uma plataforma flutuante construída em Singapura. A empresa sublinhou, nas respostas que deu, que os dois factos — os 100 milhões e a atribuição de novos blocos um mês depois — não estão de nenhuma forma relacionados.
Quando Manuel Vicente abandonou a petrolífera em 2012 e tornou-se o número dois do presidente José Eduardo dos Santos, não só o seu poder aumentou mas também aumentou a sua capacidade de evitar processos- crime. Mesmo depois de ter deixado de ser vice-presidente da Angola, em 2017, foram-lhe dados cinco anos de imunidade, em que não pode ser importunado pelo Ministério Público.
No caso da Operação Fizz, a parte do processo relativo ao antigo CEO da Sonangol foi remetida pela justiça portuguesa para a Procuradoria-Geral da República angolana em maio de 2018, poucos meses antes de o procurador Orlando Figueira ter sido condenado em Lisboa. Desde então, nada mais se soube sobre o que acontecerá a esses indícios contra Vicente quando a sua imunidade terminar.
Este artigo é resultado de uma colaboração de investigação com Simon Bowers, Martim Bright e Edwin Van der Schoot.
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