Carlos Baptista Gomes oferecia viaturas aos líderes comunitários das aldeias ao mesmo tempo que, literalmente, lhes roubava a estrada. Enquanto secretário-geral do Ministério das Obras Públicas, recebeu do governo uma verba de 45 milhões de dólares, atribuída à sua própria empresa, para reabilitar 75 quilómetros de estrada, uma obra que nem se deu ao trabalho de começar. Apesar de todas as denúncias, este saqueador profissional continua impune.
Considerado como o filho pródigo de Sanza Pombo, província do Uíge, Carlos Baptista Gomes “Charles”, oferecia viaturas aos líderes comunitários das aldeias ao longo da via onde, literalmente, lhes roubava a estrada.
Enquanto secretário-geral do Ministério das Obras Públicas, em 2008, Carlos Baptista Gomes recebeu do governo uma verba de 45 milhões de dólares para a reabilitação de 75 quilómetros do troço Cuilo Pombo/Quipanda/Nsosso, no município de Sanza Pombo. A sua empresa nem sequer fingiu ter iniciado as obras inicialmente planificadas para levar o asfalto à aldeia de Kifuaxi, terra natal do governante-empreiteiro.
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Na altura, Carlos Baptista Gomes atribuiu a construção da estrada à sua empresa Carlos Madalena S.A., constituída em 2005 com a sua esposa e filhos, tendo firmado contrato com o Instituto de Estradas de Angola (INEA). O INEA era então dirigido por Joaquim Sebastião, que assinou o contrato em representação do Ministério das Obras Públicas, o órgão superintendente do INEA. Por sua vez, pela Carlos Madalena S.A. assinou Nayole Solange da Costa Pinto, que na altura era não apenas diretora-geral da Carlos Madalena, como também assessora do gabinete jurídico do referido ministério e amiga pessoal de “Charles”.
Mas o contrato enfermava de vários vícios. A Carlos Madalena foi transformada em sociedade anónima (S.A.) apenas a 15 de Janeiro de 2009, depois da assinatura do contrato.
Nessa altura, Carlos Baptista Gomes ordenara o desvio massivo de equipamentos do INEA. Como historial de obras, a sua empresa contava apenas com a terraplanagem da pista de terra batida de 1500 metros do seu aeródromo privado “Carlos Burgo”, na aldeia de Kifuaxi. Esta aldeia dista sete quilómetros da sede municipal de Sanza Pombo.
No mesmo período, a referida empresa, com equipamentos do INEA, tinha realizado também a abertura de estradas de acesso às fazendas privadas de Carlos Baptista Gomes, nomeadamente Kimbunga, Tuhi e Lema, entre as aldeias de Kifuaxi e Kikune.
O então director provincial do INEA no Uíge, Fernando Ribeiro, confirma ter inspeccionado a referida obra na altura e que nada aconteceu. “Visitei este troço [Cuilo Pombo/Quipanda/Nsosso]. Embora estivessem lá os equipamentos e eu tivesse tido contacto com o empreiteiro [Carlos Madalena S.A], e a obra não foi realizada.”
Além de Carlos Baptista Gomes, há várias outras figuras do poder que usaram o mesmo ardil da construção de estradas para saquear os cofres do Estado.
CARLOS BAPTISTA GOMES INTERNACIONAL LDA.
Mas os 45 milhões de dólares não bastavam. “Charles” tinha mais uma na manga. Conforme documentação obtida pelo Lil Pasta News junto de instâncias governamentais, no início de 2014, “Charles” emitiu várias notas fictícias de cobrança à delegação do Instituto de Estradas de Angola, no valor total de 2,3 mil milhões de kwanzas, na altura equivalentes a 24 milhões de dólares.
Na verdade, coube à empresa Carlos Baptista Gomes (CBG) Internacional Lda., criada em 2012, em Matosinhos, no Porto (Portugal), cobrar o referido valor de forma fraudulenta, por prestação de serviços à Carlos Madalena S.A., na reabilitação do troço Cuilo Pombo/Quipanda/Nsosso, em 2009.
As facturas, assinadas pelo arquitecto português João Coelho enquanto director da CBG Internacional Lda., referiam-se a autos de medição e trabalhos de limpeza de bermas, desmatação e trabalhos de terraplanagem. Mas há um dado curioso numa das facturas identificadas como o Auto de Medição nº 3, Obra nº 12, designação 089/CM.SA.DF/2009, de 15 de Fevereiro de 2014: o arquitecto português cobra 107,4 milhões de kwanzas por “trabalhos de limpeza da passagem hidráulica do Rio Kwanza”, no município de Sanza Pombo.
Ora, o Rio Kwanza nasce no Chitembo, Bié, e atravessa as províncias de Malanje, Kwanza-Norte, Bengo, vai desaguar no mar na Barra do Kwanza, em Luanda.
Sem rodeios, o arquitecto português, que pede apenas para não ser identificado pelo nome, refere que a CBG foi criada em Matosinhos por Charles (99%) e pela sua mulher, também portuguesa (1%).
“A minha esposa trabalhava para ele. Nessa altura, eu era director da Carlos Madalena S.A. e ele pediu-me para emitir essas facturas. Fez-se trabalhos de desmatação de 17 quilómetros para acesso às suas fazendas, a partir da aldeia de Kifuaxi, onde nasceu”, explica o arquitecto.
“Como ele precisava de dinheiro, apresentou-me uns relatórios de medição, disse-me para passar as facturas, assinar e entregá-las ao INEA para, assim, a empresa em Portugal, a CBG, poder facturar”, continua.
“O meu patrão disse-me que tinha um amigo no INEA que trataria dos pagamentos e de tudo o resto, e eu cumpri. Se houve falcatruas não sei.”
Por sua vez, o engenheiro Fernando Ribeiro, a quem foram entregues as facturas na sua qualidade de então director do INEA, confirma os factos. “São falcatruas. Tive conhecimento desse processo e tive contacto com o “Charles”, que me pediu para incluir as facturas na dívida pública, para serem pagas a posteriori”, revela.
“Escrevi aos meus superiores afirmando que não confirmava tais dívidas e não podia apor o visto nessas facturas. Fui aliciado pelo “Charles” em como receberia uma grande parte dos valores cobrados [23 milhões de dólares] e recusei. Estava em causa a minha idoneidade. Nessa altura, estas facturas não foram pagas”, denuncia o engenheiro Ribeiro.
De forma objectiva, o arquitecto explica que a empresa em Portugal foi suportada por si e pela esposa, que asseguram o pagamento do aluguer do escritório, dos impostos, da segurança social e tudo mais, “para termos tudo limpo e ficarmos de consciência tranquila”. A CBG Internacional foi encerrada em 2015.
“Este senhor [Carlos Baptista Gomes] fica a dever-me mais de 140 mil euros, além de 100 mil dólares a dois professores e dois enfermeiros portugueses que eu havia contratado para trabalharem em Sanza Pombo, a seu pedido. Não gostei de trabalhar com esse senhor. É um verdadeiro aldrabão”, remata.
Para provar o que diz, o arquitecto relembra que, em 2015, Charles começou a acumular dívidas após ter perdido a “árvore das patacas”, com a sua demissão de secretário-geral do governo provincial do Kuando-Kubango. “Mandou-me cobrar, ao governo do Kuando-Kubango, todas as viagens que fazíamos de avião, ao longo dos anos, de Luanda e Menongue a Sanza Pombo, com facturas completamente adulteradas e falsas. Eu recusei-me a assinar, mas fê-lo o Carlos Fernandes.”
Temos então o segundo ponto. Uns tailandeses aparecem em Angola com um cheque de 50 mil milhões de dólares e são detidos e levados a julgamento com mais uns cidadãos nacionais por burla ao Estado angolano.
Carlos Baptista Gomes emite umas notas de cobrança fictícias ao governo do Uíge, por obras nunca realizadas, no valor de 23 milhões de dólares, e vive em paz.
Afinal, quem é Carlos Baptista Gomes “Charles”?
Desde 1992, por altura da implementação do Processo de Paz de Bicesse, Carlos Baptista Gomes tem sido a sombra do general Higino Francisco Lopes Carneiro, a sua eminência parda. Na altura do saque, Higino Carneiro era o ministro das Obras Públicas.
Antes disso, na qualidade de capitão das extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), tinha servido, de 1990 a 1992, como chefe da Unidade Penitenciária da Frente Centro.
Em 1992 passou a director de operações do grupo de acompanhamento constituído pelo governo para o Processo de Paz. A partir de 1994 exerceu as funções de director de gabinete do general Higino Carneiro enquanto esteve serviu nos cargos de chefe-adjunto da Comissão Conjunta Político Militar (CCPM), vice-ministro sem pasta do Órgão Coordenador do Processo de Paz, vice-ministro da Administração do Território. Em 1999, Carlos Baptista Gomes manteve o mesmo cargo quando o general assumiu a função de governador do Kwanza-Sul. De 2002 a 2010, Higino Carneiro exerceu o cargo de ministro das Obras Públicas, sempre com o seu fiel escudeiro na posição de director de gabinete. Em 2006, este foi promovido a secretário-geral do ministério.
Quando, em 2012, Higino Carneiro rumou como governador do Kuando-Kubango, lá estava também Carlos Baptista Gomes como secretário-geral. Foi no Kuando-Kubango que a relação entre ambos azedou, com o subordinado já descontrolado na sua voracidade pelo saque. Carlos Baptista Gomes exerceu a função apenas por um ano, o suficiente para causar enormes danos aos cofres da província, como já ilustrado pelo Maka Angola.
Apesar de tantas denúncias, no seu regresso a Luanda como governador, em 2016, Higino Carneiro mais uma vez arranjou colocação para Carlos Baptista Gomes. Até quando continuará a Justiça angolana a deixar este saqueador profissional impune?
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