Circulou, há dias, pelas redes sociais, uma “bomba” deflagrada na TPA pelo meu colega Filipe Zau, que anunciou para toda a Angola que temos 4 mil professores que não sabem ler nem escrever.
Muita gente ficou surpreendida e houve quem tenha ficado chocado com a revelação, vinda de alguém formado e doutorado em ciências de educação, alguém que sempre trabalhou nesse sector.
Quanto a mim, não fiquei nada surpreendido, pois convivo no dia-a-dia com casos desses. Se antes eram estudantes no ensino superior sem saberem ao menos formular uma ideia, hoje temos estudantes em cursos de pós-graduação (portanto, com licenciatura e mestrado, apostando no grau seguinte) que não conseguem formular uma ideia no papel.
Surpreendeu-me apenas o número, pois não sabia de onde havia sido retirado.
Mas de uma coisa podemos estar certos: a situação vem piorando, ano após ano.
“Professores” que não sabem sequer para estudar naquele nível de ensino
Devemos estar recordados quando, em Julho de 2018, tomámos conhecimento através das redes sociais, de ter sido tomada a decisão de admissão de docentes reprovados no teste de admissão.
Se bem me recordo, um dos piores casos dava conta de uma nota de 1 valor (correspondente a 5%), para um candidato admitido para leccionar uma disciplina, em relação à qual tinha tirado zero valores nessa prova de admissão (o tal 1 valor dizia respeito a cultura geral, se não estou em erro).
Ou seja, o Ministério da Educação tinha anunciado que admitiria um candidato para ministrar a disciplina Q, com zero no teste dessa mesma disciplina.
Outros casos davam conta de notas a variar entre 2 e 9 valores (correspondentes a 10% a 45%), com admissão garantida.
O pior caso foi de alguém com 0,5 valores (0,25%), também feliz com a decisão de admissão para a docência em escola estatal.
Se estivermos recordados disso, a revelação do Dr. Filipe Zau nada tem de estranho.
Porque, graças às denúncias feitas através das redes sociais, o Ministério da Educação viu-se forçado a recuar na sua decisão de admissão dessa gente sem capacidade sequer para estudar nesse nível de ensino, mas que seria admitida para a docência em 2018.
Quantos, antes, terão sido admitidos exactamente nessas condições? – eis a questão.
E não nos devemos esquecer que muito “boa gente” se insurgiu então contra a hipótese de não admissão. Porque defendiam que os candidatos deviam ser admitidos sem teste, bastando para tal exibirem o diploma.
Ora, havendo muitos mais candidatos que vagas, como seria feita então a selecção?
Ainda bem que houve selecção, ainda bem que houve teste e ainda bem que houve denúncia.
Porque, antes de 2018, eram admitidos milhares de candidatos nessas condições (de facto, reprovados no teste de concurso), que hoje continuam na docência.
Por que razão não se pode denunciar?
Logo no dia a seguir ao da “bomba” a que aqui nos referimos, vieram os habituais defensores do convento reclamar do denunciante.
Usando argumentos vários. O mais utilizado foi que o denunciante foi assessor e consultor de dois Ministros da Educação, depois de ter feito carreira nesse ministério.
Esquecem-se essas pessoas que o assessor e o consultor não tomam decisões, não sendo por isso responsáveis pelas decisões tomadas por quem de direito.
Ou seja, o que importava nessa altura era a agressão ao mensageiro – e não o debate a respeito da denúncia e a discussão à volta de como superar o grave problema finalmente identificado.
Lamentavelmente, esta é já uma característica nossa.
Não estamos recordados das reacções nas redes sociais, quando em tempos um polícia foi detido por agentes da IGAE, em flagrante delito? Os demais agentes da polícia insurgiram-se, não contra o colega que infringiu todas as regras de boa conduta, mas contra quem lhe deu voz de prisão.
O argumento mais utilizado foi: “como é possível um civil deter um para-militar?”
Só porque o agente da IGAE estava à civil, não significa que seja civil. Além disso, há (em todo o mundo) funcionários públicos trajados à civil, autorizados a deter militares e para-militares.
Este exemplo, bastante diferente do caso aqui em análise, pois configura crime, é aqui chamado apenas para dar conhecimento de se estar a generalizar a ideia, não de combater o que está errado, mas de nos unirmos para penalizar o mensageiro, que teve a coragem de denunciar ou de fazer cumprir a lei.
Portanto, já é comum atacar quem age nos termos da lei, apenas para defendermos os “nossos”. Como se diz, para “defendermos o pão”. Sem importar o facto de estarmos assim a contribuir para afundar ainda mais o país.
Tal como alguns professores terão agora vindo em suposta defesa dos “colegas” que não sabem ler nem escrever e, por isso, deviam estar sentados do outro lado, a aprender (e nunca a ensinar, reproduzindo aquilo que mal sabem fazer).
A situação é mais grave ainda do que foi anunciado
Em esclarecimento adicional, o meu colega Filipe Zau veio depois a público dizer que o estudo foi feito, não por si, mas pelo Banco Mundial.
E acrescentou que os dados respeitantes aos 4 mil docentes dizem respeito a apenas 5 províncias (Cabinda, Huíla, Luanda, Lunda-Sul e Zaire).
Isso significa que o número real de docentes inabilitados será ainda maior.
Quando se diz que não sabem ler nem escrever, significa que não sabem soletrar devidamente e têm dificuldade em exprimir ou em escrever uma ideia.
Temos muitos casos destes, de pessoas alfabetizadas que são, em realidade, analfabetas funcionais.
Não temos por que duvidar do estudo encomendado pelo Banco Mundial.
Ao invés de apresentarmos dúvidas a esse respeito, penso que será melhor para o país e para os nossos petizes, que tomemos consciência dessa realidade. Pois este será o primeiro passo para podermos, no futuro, solucionar o grave problema que “estamos com ele”.
Aproveito para referir que, devido exactamente a esses docentes mal formados, os docentes bem formados e exigentes (ou seja, os verdadeiros professores) são seriamente combatidos pelos alunos e pelos estudantes no ensino superior e, até, por estudantes de cursos de mestrado e doutoramento.
Ainda há menos de meia dúzia de meses fui contactado por 3 estudantes de pós-graduação, que pediam conselho sobre como deviam proceder em relação a um abaixo-assinado que já circulava, contra um docente que exigia que os estudantes se aplicassem. Reclamavam, apenas por o docente ser exigente.
Em contrapartida, os mesmos estudantes batem palmas àqueles docentes que lhes facilitam a vida, passando toda a turma.
Quo vadis, Angola?
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