Não foi casuística a escolha de Paris para palco de tão importante anúncio.
Paris é, a par de Nova Iorque, Tokyo e Londres, das mais importantes vitrines do mundo e é por isso que as autoridades angolanas escolheram a também chamada Cidade Luz para anunciarem ao mundo a sua pretensão de se incorporar no restrito grupo de países que fabricam vacinas contra a Covid-19.
Feito entremuros, tal anúncio não teria nenhuma repercussão mundial – presumiram as nossas autoridades.
Anúncio feito na capital gaulesa cobrir-nos-ia de orgulho se, antes da Covid-19, Angola não fosse desafiada diariamente por doenças que disputam e roubam mais vidas do que a nova pandemia.
Os angolanos regozijar-se-iam se as autoridades angolanas anunciassem, em Paris, um programa integrado de combate à malária, diarreias agudas, cóleras, febre tifoide e outras doenças que reclamam diariamente centenas de vidas.
Claro que fazer um tal anúncio, e logo em Paris, não seria muito chique, porque daria de Angola a imagem de um país atrasado, que em pleno Séc. XXI ainda continua a braços com doenças que os outros já riscaram dos seus mapas há pelo menos dois séculos.
É curioso: na mesma capital gaulesa onde a ministra Vera Daves (com evidente dor de cotovelo da colega da Saúde) fez o solene anúncio, também foi tornada pública a informação segundo a qual uma das decisões saídas do peditório dos líderes africanos a Emmanuel Marcon é fazer da África do Sul o primeiro fabricante continental da vacina contra a Covid.
Isto é, quando a ministra das Finanças de Angola anunciou a pretensão do país, já tinha conhecimento da escolha da África do Sul.
Com o seu anúncio, Angola mostrou despeito e, por outro lado, reafirmou a megalomania que é intrínseca aos seus líderes.
Não há racionalidade nenhuma nas pretensões de Angola.
Nesta altura de imensas dificuldades para todos, a África Austral não precisa de ter dois países a produzir vacinas contra a Covid-19.
A sempre prometida, mas nunca concretizada, cooperação Sul/Sul deveria ser isso: sinergias de todos.
Angola pode ter um papel relevante na fabricação de vacinas contra a Covid-19. Bastar-lhe-ia injectar dinheiro e tornar-se num acionista de referência na futura fábrica da África do Sul.
Mesmo porque, com as suas conhecidas e nunca resolvidas carências em áreas como fornecimento de água potável, energia eléctrica, saneamento básico, além, obviamente, da falta de quadros capacitados, quando – e se um dia lá chegar – Angola for capaz de fabricar uma vacina contra a Covid-19 ela provavelmente já terá sido erradicada. A comunidade médica mundial está hoje focada na busca da cura dessa pandemia.
Apesar de ter mais de metade da sua população sem acesso à água potável, energia eléctrica, cuidados primários de saúde, educação e outros serviços, o Governo de Angola emite sinais de que pretende colocar o país na rota dos pioneiros do combate à pandemia da Covid-19.
É areia a mais para o seu camião.
Por mais apetecíveis que lhe pareçam e por maior que seja a sua vontade, cão algum consegue levar, simultaneamente, dois ossos.
Angola não está em condições de assumir, sem o risco, inevitável, de fracassar estrondosamente, qualquer outro grande desafio.
No imediato, a geração que governa Angola deveria concentrar-se na busca de soluções para as doenças que mais cabo dão à sua população, nomeadamente a malária, cólera, diarreias, etc, etc.
O Presidente João Lourenço & “ sua camarilha”(como lhe chamaria o falecido Pedalé) ainda vão a tempo de entrar na História de Angola por bons e nobres motivos. Erradicar a malária, por exemplo, fonte de muitos mais dores de cabeça para as famílias angolanas.
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