A título de intróito, deixo claro que o que aconteceu na manhã de sábado, 3 de Abril, foi efectivamente um rapto, definido como «acto de tirar alguém de casa ou do local onde se encontra, através de violência, de ameaça ou de engano». (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021)
Eram cerca de 10h30 de sábado, 3 de Abril, quando eu, João Quipipa Dias e Osvaldo Humberto (Trump), mal chegámos ao largo do Cemitério de Santana, vimo-nos cercados por um grupo de agentes da Polícia Nacional (armados), os quais, comandados pelo Chefe das Operações do Município de Luanda, Intendente Salvador (na foto), com exibição de força e ameaças, apreenderam os nossos telemóveis. Pouco depois, fomos conduzidos a uma viatura sob a alegação de que o assunto seria esclarecido na esquadra. Quando íamos sob custódia para a viatura, ouvi alguém que me chamava. A voz vinha de um carro gradeado da Polícia. Eram os próprios organizadores da Marcha de Solidariedade a Adalberto Costa Júnior. Pouco depois, notei que outros 3 carros estavam cheios de outros manifestantes.
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Exigimos até à exaustão que a Polícia nos informasse para onde seríamos levados. Em vão.
Por volta das 11h00, as 4 viaturas (Toyota Land Cruiser) partiram, ao mesmo tempo que os manifestantes se puseram a bradar furiosamente frases como «Abaixo o MPLA», «MPLA está no fim», «Viva Angola» e «O Povo está farto, o Povo acordou». Enquanto isso, assaltava-nos a todos a seguinte questão: para onde estávamos a ser levados? Quando estávamos na Avenida 21 de Janeiro, adensaram-se as nossas suspeitas de que estávamos a ser levados para fora de Luanda (alguns manifestantes até projectaram a hipótese de que seríamos fuzilados num arrabalde qualquer).
Benfica. Ramiros. Neste ponto, quando já sabíamos que o nosso destino nada tinha a ver com esquadra ou coisa parecida, um OSA ainda teve o desplante de dizer que nós voltaríamos com a PN e que não havia motivo de medo.
Chegámos à Barra do Kwanza. Uma das viaturas parou. Todas as outras também pararam. A gasolina era pouca. Enquanto os chefes da operação de rapto concertavam o que fazer, as portas das 4 viaturas foram abertas e os manifestantes saíram para urinar ou esticar os pés.
A viagem prosseguiu. O Rio Longa já me parecia visível ao longe (e já me estava a conformar em passar por uma noite de agruras no outro lado, um local remoto e, obviamente, cheio de mosquitos). Foi então que todas as viaturas fizeram um desvio do percurso. Por instantes, alguns dos manifestantes quase acreditaram na promessa da PN de que regressaríamos com ela. Ledo engando o deles.
Os carros estavam com combustível baixo. Então, nas bombas da Sonangalp, enquanto era feito um abastecimento de 2 000 kwanzas por carro (dinheiro vindo do próprio bolso dos próprios chefes da operação), todos os manifestantes desceram.
Na hora da partida, os membros do Movimento Terceira Divisão (Hata, Hitler, Bonzo Lima etc.) e outros foram os primeiros a ser abandonados. Daí, cerca de 3 quilómetros depois das bombas da Sonangalp, a viatura em que estávamos parou e nos foi dada a ordem de descer. Eu, o Quipipa, o Osvaldo Humberto (Trump) e outro manifestante exigimos a devolução dos nossos telemóveis como condição para descermos. Argumentei que a PN estava a incorrer em diversos crimes. Em vão. Um dos agentes mais graduados (que passara a cantarolar que também era licenciado) disse que assim eu estava a ofendê-lo. Então, desisti da argumentação, mas não sem antes dizer que eu iria descer, não porque tinha medo, mas porque os outros já tinham descido. Acrescentei que a Polícia Nacional é gatuna, mas que que, se nossos telemóveis não fossem devolvidos, iríamos processar judicialmente os responsáveis.
Alguns quilómetros daí, o terceiro e o quarto grupo foram abandonados.
Sem telemóveis. Sem carteira. Sem nada. Enquanto íamos ao encontro do grupo que fora deixado no perímetro das bombas da Sonangalp, o Valdemiro Pascoal (que conseguira esconder a carteira) teve uma ideia: comprar recargas através do TPA da loja de conveniência das bombas, e o saldo de voz seria introduzido no telemóvel do balconista. E, desta maneira, tendo conseguido lembrar de alguns números-chave, passámos a ligar para Luanda. Da loja atravessámos a estrada e fomos nos juntar ao grupo, que se fora acoitar nas sombras de um arvoredo com vizinhança de umas barracas às moscas.
Enquanto esperávamos pelos carros de socorro que tinham partido de Luanda para o nosso encontro, travámos longas conversas. Chegou uma carrinha, a qual levou todos excepto eu, o João Quipipa Dias e o Osvaldo Humberto. Já não havia espaço e, visto que o percurso seria longo, seria uma experiência tortuosa viajar enlatados. Ademais, estávamos à espera de outra viatura.
Cerca de 30 minutos depois, chegou a carrinha enviada pelo Gabinete do Coordenador do PRA-JA Abel Chivukuvuku que, para além do próprio motorista, trazia também o chefe de segurança dele. Partimos e, no Benfica, parámos junto do grupo que partira primeiro, à espera de uma viatura maior que estava prometida transportá-los daí para Luanda. Feitos os acertos sobre o que faríamos para recuperar os nossos telemóveis e realizar as diligências para responsabilizar a PN, partimos.
Chegámos ao Comando Provincial da Polícia de Luanda por volta das 17h15. De lá fomos informados que a recuperação dos telemóveis era assunto para tratar no piquete do SIC. Mas, sabendo que o SIC nada tinha a ver com o rapto e retenção dos meios, fomos até à Sexta Esquadra da Polícia Nacional, ou seja, Comando Municipal da Polícia de Luanda, onde o comandante (um dos participantes da operação de rapto) confirmou que os telemóveis estavam na sua esquadra. Ligou para o já citado Chefe das Operações, o qual respondeu dizendo que a devolução só seria possível na segunda-feira a partir das 8h30. Em todo o caso, ele revelou que o Chefe das Operações ainda estava no Largo da Independência, logo, disse, havia a possibilidade de recebermos os telemóveis ainda naquela hora. Uma vez no Largo, onde culminara a marcha (sim, ela sempre foi realizada), os agentes que contactámos (que também estiveram envolvidos na operação de rapto) informaram-nos que ele, o Chefe das Operações, tinha acabado de abandonar o local. Estava na Primeira Esquadra, disseram. Fomos para lá, mas fomos informados pelo comandante que o Chefe das Operações não estava. Já era noite e Luanda estava às escuras (as esquadras também). Então, depois de termos voltado a verificar que o grupo que deixáramos no Benfica ainda não tinha chegado a Luanda, regressámos aos nossos domicílios.
No domingo fizemos diligências em ordem a que nossos telemóveis fossem devolvidos o mais rápido possível, porquanto, temíamos que, estando em posse da PN, o risco de desparecerem era grande. No meu caso, embora o meu telemóvel (com 100 gigabytes de informação de elevadíssimo valor) estivesse fortemente criptografado, temi que já estivesse a ser alvo de tentativas de acesso através do uso de tecnologias que quebram códigos. Fiquei a lembrar da nossa experiência no Processo 15+2, quando as autoridades, tendo dezenas de nossos computadores, tabletes, telemóveis, discos duros etc., conseguiram– com ajuda de tecnologia americana e israelita – aceder a muitos dos meios. Enfim…
Ontem, segunda-feira, para meu alívio total, consegui recuperar o telemóvel. Estava intacto.
Termino dizendo que os responsáveis da PN que dirigiram a operação de rapto serão devidamente processados judicialmente.
NOTA: Nós só não fomos levados até ao outro lado do Rio Longa, porque os carros da PN ficaram sem combustível.
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