Há 13 anos e em mais um ‘barrete’ eleitoral, o partido que entretém os angolanos com promessas vãs garantiu que, em quatro anos, fome e pobreza seriam riscadas do mapa. Treze anos depois, no Cunene, Namibe e Kuando Kubango a fome dizima cada vez mais cidadãos e nos centros urbanos pessoas, porcos e outros animais acotovelam-se em aterros e em volta de contentores de lixo, disputando restos de comida.
Na terça-feira, 14, o repórter António Filipe, da TV Zimbo, anunciava, a partir da Base Aérea de Luanda, a partida de uma aeronave IL com pouco mais de 30 toneladas de víveres e vestuário destinados à populações do Cunene neste momento castigadas pela fome que se seguiu à prolongada estiagem.
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Emocionado, o jornalista da Zimbo, estação que neste momento está verdadeiramente empenhada em ultrapassar a TPA no domínio da vassalagem ao MPLA e ao seu Executivo, disse isto: ”Nesta terça-feira, por iniciativa do Presidente João Lourenço, partiu para a província do Cunene um IL (…) com cerca de 30 toneladas de bens alimentares e vestuário para minimizar os efeitos negativos da estiagem naquela província do sul do país. A aeronave, da Força Aérea Nacional, devidamente carregada, partiu da Base Militar por volta das 7 horas da manhã. Um outro contingente com quantidades ainda por se calcular partiu por estrada no inicio da tarde desta terça-feira com destino a Ondjiva”.
E para que ninguém duvide do seu empenhamento pessoal, o repórter da Zimbo atribuiu ao Presidente da República capacidade miraculosa. “Este é um combate que tem o engajamento pessoal do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço que lidera a estratégia que visa dar uma solução definitiva ao problema da estiagem no sul do país”.
Portanto, por vontade e determinação do Presidente João Lourenço a estiagem tem os dias contados.
O reconhecido esforço do repórter da Zimbo de enaltecer o engajamento pessoal do Presidente da República na mitigação da fome no Cunene foi, porém, traído por um pequeno detalhe: o país fustigado pela estiagem e pela fome, de que António Filipe falou, é virtual, não existe materialmente.
Na Angola real, aquela em que vivem as pessoas de carne e osso, a fome é uma miragem, é coisa do passado, que já só consta nos manuais de história.
Nas vésperas das eleições de 2008, o MPLA deu à fome em Angola um “prazo de vida” máximo de quatro anos.
Cúmplice e amplificador de todos os delírios do partido que governa este país desde 1975, no dia 12 de Junho de 2008, o Jornal de Angola estampava: “MPLA acaba com a fome nos próximos quatro anos”.
Apresentado por Pitra Neto, então vice-presidente do MPLA, no dia 11 de Junho de 2008, o Manifesto Eleitoral do partido, citado pelo “Pravda” angolano, propunha-se promover o desenvolvimento humano e o bem-estar dos angolanos através da erradicação da fome, a redução da pobreza e a promoção de um adequado nível educacional e sanitário.
Na ocasião, o vice-presidente do MPLA, hoje um discreto deputado, garantiu serem “perfeitamente alcançáveis, dentro dos prazos estabelecidos” os objectivos preconizados no Manifesto Eleitoral.
Como a aritmética não se presta a tergiversações, 2012 marcaria o fim da fome em Angola.
Mas com muito pragmatismo, reconheça-se, em 2011, o líder do MPLA antecipou o fracasso da meta estabelecida 3 anos antes, isto é, erradicar a fome e a pobreza em 2012. Falando aos seus pares do Comité Central, no dia , no dia 15 de Abril de 2011 José Eduardo dos Santos admitiu ser uma fantasia a ideia de que a fome e a miséria seriam banidas até ao ano seguinte pela simples razão“não foi o MPLA nem o seu Governo que a criou”.
Em 2008, quando o seu partido decretou o fim da fome em 4 anos, João Lourenço era membro do Bureau Político do MPLA e 1. Vice-presidente da Assembleia Nacional. Estava dentro do Sistema. Em 2011, quando José Eduardo dos Santos sugeriu que “sendo uma pesada herança do colonialismo”, o MPLA não tinha soluções para a fome e pobreza, João Lourenço continuava na mesma condição de membro do BP e 1.vice-presidente da Assembleia Nacional. Sempre no sistema.
Em 2019, já Presidente da República e à testa do sistema, João Lourenço corrigiu o seu antecessor, garantindo que a fome em Angola já pertencia ao passado.
Em entrevista que a RTP emitiu no dia 4 de Março daquele ano, o Presidente João Lourenço disse que em Angola a “nossa luta é lutar para reduzir os índices de pobreza, devido aos longos anos de conflito armado”. Quanto à fome, foi categórico. “Hoje há oferta de bens alimentares em Angola, não se pode dizer que existe fome em Angola, é uma questão de alguma má nutrição”.
Portanto, não faz qualquer sentido que em 2021, João Lourenço esteja à testa de uma “estratégia que visa dar uma solução definitiva” à fome e seca no Cunene. Então esses dois fenómenos não foram erradicados em 2012? Em 2019, o PR não disse que já não se podia falar de fome em Angola?
O exaltado empenho pessoal do Presidente da República no combate à fome no Cunene sugere uma de duas hipóteses: ou João Lourenço foi tomado por uma avassaladora amnésia ou está a viver num mundo virtual. Há robustas evidências de que estamos mais próximos da primeira hipótese. É que, segundo ele próprio, o que existe em Angola, a partir de 2019, é, apenas, “uma questão de alguma má nutrição”.
Há muito o que dizer sobre o cantado empenho pessoal do Presidente da República na ajuda às populações castigadas pela fome. Há 13 anos e em mais um ‘barrete’ eleitoral, o partido que entretêm os angolanos com promessas vãs garantiu que, em quatro anos, fome e pobreza seriam riscadas do mapa. Treze anos depois, no Cunene, Namibe e Kuando Kubango a fome dizima cada vez mais cidadãos. Em Luanda e noutros centros urbanos, adultos e crianças acotovelam-se por restos de comida em contentores de lixo. No aterro sanitário e nas montanhas, monturos espalhados em todo o lado pessoas, porcos, cabras e cães disputam encarniçadamente os restos ali depositados.
Esta “conversa” de doações presidenciais é – como dizem os brasileiros – para boi dormir. Em 2008, quando nos prometeram o fim da fim da fome e da pobreza, Angola nadava em petrodólares e a pandemia da Covid não estava nas cogitações do mais pessimista dos estudiosos. Havia condições financeiras ideais para fazer de Angola um paraíso terrestre.
No País onde “não se pode dizer que existe fome” e em que o que há é, apenas,“uma questão de alguma má nutrição”, no último sábado, 17, uma anciã procurou o programa Bandalho, da rádio MFM, para implorar isso:
“Filho Jojó eu vem só aqui pedir ajuda meu filho, não come, não faz nada, começa só panhar os bidons dos gasosa coca-cola na lixeira, esse aqui deita saco você está a sacudir os cocôs também estão a me tocar. Filho faz favor só; que costuma a me dar também tem filho dele, bom irmã não está a aceitar mais disse também tem filho, tem neto, uma irmã. Filho Jojo faz favor só para me dar só de comer para me dar só de comer.
Filho morre só, as comidas para ficar, e dinheiro para ficar? Isso é pecado, ajuda só filho, ajuda só papa. Meu filho por causa do , meu filho faz favor, me ajuda meu filho”.
Porque vice em Luanda, essa anciã tem a fortuna de aceder a quem a ouça. Quantos milhões de angolanos já nem forças têm, tão debilitadas estão pela fome, para reclamarem, para implorarem ajuda?
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