O Cedesa, entidade que estuda assuntos económicos e políticos de Angola, considera que o país cometeu “um erro” ao entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção, defendendo a criação de um minissistema judicial para o efeito.
Para a entidade, o que existe hoje em Angola é uma “máquina e pessoas (…) capturadas no passado pelos interesses corruptos a fazer essa luta contra a corrupção”.
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Por isso, os “processos perdem-se fisicamente nos tribunais, outros embrulham-se, outros surgem com decisões inaceitáveis e outros prolongam-se inexplicavelmente”, acrescentou.
Assim, “entregar à estrutura judicial existente o combate contra a corrupção revela-se um erro”, concluiu na sua análise intitulada “Estado de Direito e Corrupção em Angola: por um minissistema de justiça contra a corrupção”, a que a Lusa teve acesso.
Neste contexto, o Cedesa propõe no documento a criação de um minissistema judicial anticorrupção para que os processos avancem.
Segundo o Cedesa, cada sistema jurídico nacional admite vários subsistemas de acordo com as matérias ou propriedades traçadas. “Tal não viola qualquer conceção de Estado de Direito, pelo contrário, cria regras e obrigações para todos, transparentes e claras, em determinadas áreas”, sublinhou.
Por isso, “existirá um Estado de Direito para a normalidade e um Estado de Direito para a corrupção”, defendeu.
O minissistema judicial anticorrupção, vocacionado para os grandes crimes de natureza económico-financeira e de captura do Estado, funcionaria, assim “com independência dos outros órgãos judiciários e judiciais e seria composto por quatro partes”, propõe o Cedesa no documento.
As quatro partes seriam: Um órgão especial com poderes judiciários para a investigação e acusação, um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, um corpo de juízes autónomo dedicado a esses tribunais e, por último, uma lei processual simplificada, elaborada à semelhança da norte-americana ou da francesa atual, que permitisse julgamentos rápidos e justos.
“Este órgão seria um misto de Polícia Judiciária e Ministério Público, tendo poderes de investigar, apreender, realizar buscas e detenções, pedir cooperação judicial internacional e, no final, fazer uma acusação ou arquivar um processo de grande corrupção”, especificou.
Além disso, “só trabalharia nestes casos e seria composto por um corpo de agentes com treino focado e dedicado”.
Porém, alertou que a existência de um sistema de tribunais dedicados a estes crimes, para julgamento e recurso dos casos de grande criminalidade económico-financeira e captura do Estado, implicaria uma revisão da Constituição naquilo que se refere ao artigo 176.º n.º 3 e 5.
“Dever-se-ia passar a admitir uma jurisdição destinada aos grandes crimes de natureza económico-financeira e também abolir a proibição de tribunais com competência exclusiva para julgar determinados tipos de infração”, referiu.
O Cedesa advogou que, com um corpo de juízes autónomo e dedicado aos tribunais do minissistema contra a corrupção, Angola teria a vantagem de poder ter juízes especializados nestas matérias, que preencheriam os lugares nos tribunais.
Caso Angola não pretenda realizar uma revisão constitucional sobre o tema, os analistas sugeriram que o país, em vez de criar um sistema de tribunais exclusivos com juízes próprios, possa estabelecer secções especializadas para o combate à corrupção nos tribunais já existentes.
Assim, os tribunais das capitais provinciais – ou somente o de Luanda – bem como os da Relação e o Tribunal Supremo disporiam de secções especializadas para a corrupção. “Tal já é constitucionalmente possível e o restante minissistema proposto mantinha-se como descrito”, frisaram.
O grupo de estudos recordou que o poder político angolano, quando elegeu como objetivo principal o combate à corrupção, resolveu fazê-lo “através dos órgãos judiciais pré existentes e com as pessoas titulares habituais”.
“Não houve qualquer renovação orgânica ou de pessoal, apenas meros ajustes, o vice-PGR [procurador-geral da República] subiu a PGR, os presidentes do Tribunal Supremo e Tribunal Constitucional trocaram de cargo e umas leis um pouco apressadas sobre recuperação de ativos foram aprovadas”, referiu.
Para o Cedesa, esta opção de Angola deve ter tido por base uma opinião “formalista, dada pelos mais eminentes juristas angolanos, segundo a qual, o combate à corrupção deveria ser feito dentro do Estado de Direito e com os meios legais existentes”, porque só assim seriam garantidos os necessários direitos de defesa e credibilidade dos processos.
Permitindo ao mesmo tempo que, perante o estrangeiro, o país pudesse “afirmar que não haveria qualquer abuso por parte das autoridades pois era o sistema judicial instalado que estava a funcionar, dentro das normas habituais do Estado de Direito”.
“Esta normalidade legal parece correta, mas na realidade é o que impede um real, célere e efetivo combate contra a corrupção”, afirmou a entidade.
O que acontece, sublinhou, “é que se está a pedir a uma estrutura que colaborou e beneficiou da corrupção que agora a combata, no fundo, que se vire contra si própria”.
Salvaguardando que nessa estrutura existem “agentes de mudança”, juízes, procuradores, polícias, funcionários, que “devem ser elogiados pelo seu trabalho aturado”, o Cedesa considerou, porém, “que são uma exceção – mesmo que larga – e não impedem que a estrutura judicial como um todo seja conservadora e avessa ao risco de combater os seus aliados de ontem”.
Neste contexto, o relatório notou que “a luta contra a corrupção pode acabar por ser inglória e não resultar, atendendo aos vários empecilhos estruturais existentes”.
O Cedesa, que estuda e investiga temas políticos e económicos da África Austral, em especial de Angola, nasceu de uma iniciativa de vários académicos e peritos que integravam a Angola Research Network (ARN).
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