A partir da década de 90, José Eduardo dos Santos foi incluindo paulatinamente a família na oligarquia baseada na renda do petróleo, em que o poder político estava ao serviço de negócios privados.
Não foram apenas os filhos a ter acesso ao mundo empresarial ou a posições de vantagem: a irmã Marta dos Santos terá recebido 800 milhões de dólares (mais de 700 milhões de euros à taxa de câmbio da altura) do BESA (Banco Espírito Santo de Angola) para fazer um projeto imobiliário em Talatona, segundo Paulo Morais, da Associação Transparência e Integridade. Uma senhora com quem “não se brinca” avisou o ex-banqueiro português Ricardo Salgado, a quem o sócio de Marta dos Santos, o empreiteiro José Guilherme, ofereceu 14 milhões de dólares como uma “liberalidade”.
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O irmão Luís Eduardo dos Santos foi administrador não executivo da TAAG e viu-se envolvido num caso de corrupção com uma companhia espanhola, a Indra, que esteve nas eleições de 2008, 2012 e 2017. O jornal El Confidencial revelou que o irmão mais novo de JES alegadamente recebeu 108 mil euros de comissões em 2008 e que em 2012 desapareceram mais de nove milhões de euros em contas na Suíça.
Estes são apenas dois exemplos de ligações familiares extra-filhos de JES no circuito do poder. Há uns anos, os jornalistas angolanos fizeram uma lista onde figuravam mais de 16 ministros, secretários de Estado ou administradores de empresas estatais que eram primos ou sobrinhos do ex-Presidente e da ex-primeira-dama, Ana Paula dos Santos.
Beneficiou a família, mas também o inner circle ou aqueles que quis neutralizar ou dominar, como os generais, os juízes, os jornalistas, os empresários ou os adversários políticos — um antigo quadro da UNITA confirmou ao Observador que os homens do MPLA “chegavam com malas cheias de dinheiro” para os convencer a mudar de partido. “Mostrou ser um homem que sabia ler a natureza humana, essa é a inteligência dele; sabe que as pessoas são vaidosas e gostam de poder e ele ‘comprava-as’ assim”, analisa Paulo Inglês.
O problema, como alertou Rafael Marques, é que “em Angola a corrupção mata: a população é privada de recursos básicos para a sua sobrevivência”. Os factos, que Zédu não pode ignorar, estão aí, nos relatórios de Desenvolvimento Humano da ONU, do Banco Mundial ou da Unicef: perto de 40% dos quase 25 milhões de angolanos vive abaixo do limiar de pobreza, com menos de 1,7 euros por dia.
“Criou uma rede clientelar estabelecida no seio da administração pública, exército e sectores estratégicos da sociedade em geral, dando bens e benesses para garantir uma teia de cumplicidades, fidelidades e dependências”, observa a antropóloga Margarida Paredes. Simultaneamente, desenvolvia uma “grande capacidade de criar alianças com diferentes grupos sociais e étnicos que depois descartava, quando essas ligações o começavam a ameaçar”, continua a investigadora.
Se dúvidas restassem, veja-se a estimativa do Banco Mundial no final do mandato de JES: 32 mil milhões de dólares vindos das exportações do petróleo não entraram nos canais legais mas sim nas condutas que abasteceram as lealdades servis das elites militares, políticas e económicas ao então Presidente.
Foi já nos anos 90 que a privatização da guerra permitiu o enriquecimento de uma elite com ligações à escala global.
Vários escândalos a envolverem JES e a sua entourage vieram a público, sendo o mais famoso o Angolagate, com o filho do então Presidente francês, François Mitterrand. A venda de armas soviéticas e francesas em 1993/95 em troca de petróleo, cujas avultadas comissões foram alegadamente pagas a José Eduardo dos Santos e a figuras próximas, pôs durante mais de uma década Luanda e Paris a ferro e fogo. Ou ainda o “Triângulo das Bermudas”, esquemas financeiros que envolviam um offshore para permitir a angolanos bem posicionados o acesso a dinheiro. O FMI, num relatório citado por Ricardo Soares de Oliveira, calculou que desapareceram 4,22 mil milhões de dólares (3,5 mil milhões de euros) das finanças públicas de Angola entre 1997 e 2002.
Em 1999, um relatório explosivo da organização de direitos humanos britânica Global Witness denunciava uma teia intrincada de corrupção que partia do Futungo e se entrançava com intermediários estrangeiros de cadastro nada recomendável ligados ao Irão-Contras ou ao Kremlingate. “Um Despertar Cru — o Papel das Indústrias Petrolífera e Bancária na Guerra Civil Angolana e a Pilhagem dos Recursos do Estado” não usava meias palavras: “Há uma privatização ‘de facto’ da guerra, que está a gerar vastos lucros para generais de topo dentro das Forças Armadas Angolanas, bem como para os negociantes de armas internacionais. Em vez de contribuir para o desenvolvimento de Angola, o petróleo angolano está diretamente a contribuir para acentuar ainda mais o declínio”.
O favorecimento de alguns agudizou-se depois da morte de Savimbi. “De 2002 para cá, o Presidente fez a gestão do Estado a favor da sua pessoa e da sua família”, analisa Marcolino Moco. “Caiu no logro de desfazer as instituições do Estado, quebrou as comportas legais para tudo poder fazer na atribuição da riqueza”, acusa.
Era o tempo da paz, do “Angola começa agora”, da reconstrução, que abria as portas a mais corrupção, com obras que fizeram do país um estaleiro gigante permanente, algumas delas megalómanas, injustificadas, não fiscalizadas e mal executadas.
Eram os tempos loucos dos generais, que já tinham começado nos anos 90, com fortunas gastas em “farras, mulheres e muitos excessos” diz ao Observador, sob reserva de identidade, um luso-angolano que esteve nas milícias do MPLA e trabalhou para um dos grandes generais. Conta histórias macabras de mortes no século XX — “Matei muitos, hoje só queremos a paz ” — de medo e de violência mesmo depois da guerra. “Ou aceitavam o que dizíamos e iam na vertical ou recusavam e iam na horizontal”. Mas recorda também três exemplos com aviões que revelam o desvario do dinheiro que se manteve até este século: um avião, de um dos generais, chegou a Luanda cheio de garrafas de vinho caríssimas embarcadas em França e Portugal; outro desapareceu para sempre cheio de dinheiro a caminho de uma província; outros enchiam-se todos os fins de semana de angolanos ricos que iam a Lisboa fazer compras.
Este antigo combatente nas fileiras do MPLA relata ainda como o jogo trazido pelos chineses se enraizou nas altas esferas do dinheiro angolano. “Faziam jogadas de um milhão, via-se mesmo que não lhes tinha custado a ganhar o dinheiro, iam uma vez por mês jogar ao Casino de Lisboa.” E fala também em festas sem limites: “Participei numa, nos anos 90, no fundo da zona verde, no bairro de Alvalade, em que a piscina estava vazia e nós fomos abrindo garrafas de champanhe e despejando-as lá para dentro até a encher por completo”.
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