Ativista congolês julgado por recuperar arte africana de museus europeus

O congolês Emery Mwazulu Diyabanza tenta recuperar obras de museus europeus em protesto contra o saque da arte africana feito na era colonial. Agora, enfrenta um julgamento em França.

Em junho, o ativista congolês Emery Mwazulu Diyabanza fez as manchetes dos jornais franceses quando tentou, com outros quatro ativistas, recuperar do Museu do Quai Branly, em Paris, uma escultura de arte de origem africana.


"Este é um protesto contra a era colonial. Estamos a levar esta escultura para casa", anunciou o ativista num vídeo gravado dentro do museu e divulgado nas redes sociais.
Durante o ato de protesto, Mwazulu Diyabanza afirmou que os governos que no passado colonizaram África não cumpriram as suas promessas de devolver a arte roubada no período colonial.
Na semana passada, começou na capital francesa o julgamento dos cinco ativistas. Diyabanza pode ainda enfrentar julgamentos noutras cidades europeias, onde realizou protestos semelhantes.


"Operação de resgate"

 Translocations. Historical Enquiries into the Displacement of Cultural Assets
Benedicte Savoy, conceituada investigadora francesa de arte africana na era colonial
Antes do início do julgamento na quarta-feira (30.09), Mwazulu Diyabanza disse à agência de notícias AFP que os protestos se justificam, apesar de serem arriscados: "Não tínhamos a intenção de roubar esta obra, mas continuaremos a protestar enquanto a injustiça do saqueamento de África não for remediado", afirmou.

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O protesto dos ativistas "não foi surpreendente, porque tais ações são descritas no cinema e na literatura desde 1960", sublinhou em entrevista à DW a historiadora de arte francesa Benedicte Savoy, que há anos lida com o tema da arte saqueada na era colonial.
Este, aliás, é o foco do filme "Pantera Negra", do diretor Ryan Coogler, de 2018. Na década de 1970, este tipo de protesto foi também descrito pelo vencedor do Prémio Nobel de Literatura,  o nigeriano Wole Soyinka.

"Este é um tópico da literatura, e Emery Mwazulu Diyabanza é o primeiro a colocar na prática algo que existe há muito tempo no campo da imaginação", acrescentou a historiadora francesa.

Arte saqueada nos principais museus

Em 2018, o Presidente francês, Emmanuel Macron, encarregou Benedicte Savoy e o economista e escritor senegalês Felwine Sarr de realizar uma extensa pesquisa sobre a arte colonial.

De acordo com o relatório final, entre 85% e 90% das obras de arte e objetos africanos estavam expostos fora de África, com os principais museus do mundo a exibir esculturas, máscaras, objetos de rituais e funerais, além de joias.

Apenas as coleções nacionais francesas reúnem 90 mil objetos africanos. Destes, 70 mil podem ser encontrados no Museu do Quai Branly, em Paris.

França  diz que quer devolver arte saqueada
Em declarações aos alunos da Universidade de Ouagadougou, no Burkina Faso, Emmanuel Macron anunciou que, durante o seu mandato, grande parte destes objetos seria devolvida às antigas colónias.

"Isso foi o que ele disse a estudantes de 20 anos, há mais de dois anos", afirmou Savoy. "Para os jovens, dois anos de espera é muito tempo. Para aqueles que reclamam a devolução dos seus bens culturais desde a independência, é uma vida inteira."

Num momento em que o mundo acompanha de perto as manifestações do movimento Black Lives Matter, nos Estados Unidos, contra o racismo e os símbolos do colonialismo, os protestos de Emery Mwazulu Diyabanza e o seu julgamento recebem atenção redobrada, sublinha Savoy.


As demandas da diáspora africana

"A diáspora africana representa uma grande parte da sociedade francesa e essas pessoas não sentem que estão a ser bem tratadas", disse a historiadora Benedicte Savoy, em entrevista à DW.

Emery Mwazulu Diyabanza personifica o desejo de destacar os desafios que a diáspora africana enfrenta. Durante os protestos, o ativista costuma usar uma boina preta em homenagem ao movimento dos Panteras Negras, dos anos 1960, nos Estados Unidos. Usa também um colar com um mapa de África no pescoço.

Nascido em Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, Mwazulu Diyabanza viveu na cidade francesa de Champigny-sur-Marne, nos subúrbios parisienses, e também em Lomé, no Togo.
Em 2014, fundou o Movimento pela Unidade, Dignidade e Coragem (UDC) que, entre outros objetivos, trabalha pela devolução de artefatos africanos saqueados durante o tempo colonial.

Pena de prisão

Devido ao recente protesto realizado no Museu do Quai Branly, Mwazulu Diyabanza foi acusado de tentativa de roubo coletivo de um bem cultural. Os cinco ativistas podem ser condenados a até dez anos de prisão e podem ter de pagar uma multa de 150 mil euros, cada.

A 30 de junho, Mwazulu Diyabanza apresentou uma queixa contra o Estado francês por "furto e ocultação" da arte colonial roubada. A 30 de julho, foi preso em Marselha depois de "confiscar" um objeto de marfim do Museu de Arte Africana, Oceânica e Americano-Indiana.

Há duas semanas, saiu de um museu holandês com uma escultura de um túmulo congolês, mas foi interpelado pela polícia.



Máscaras africanas produzidas no território do atual Mali durante a era colonial.

Oportunidades perdidas

Vivemos numa época em que "as pessoas enfrentam-se diretamente, são violentas e não dialogam – e isto é novo", disse Savoy. O racismo é cada vez mais insuportável para as pessoas afetadas, acrescentou.

Savoy lembra-se de ter lido um artigo da década de 1970 que exortava para a devolução dos bens culturais, como um gesto amigável, "antes que as pessoas ficassem frustradas".

Os Governos europeus claramente perderam esta oportunidade, opina. "Há três anos, as pessoas ainda ouviam que os itens nos museus etnológicos foram comprados legalmente e que não havia colonialismo na Alemanha", disse Savoy. Agora, uma geração mais jovem frustrada teve que descobrir por si mesma de onde os objetos realmente vieram.

'O roubo nunca é esquecido'
Os críticos acusam o Estado francês de não ter feito o suficiente para restituir a arte colonial saqueada. Estátuas sagradas da Nigéria foram leiloadas, por exemplo, embora a Nigéria tenha pedido ao Governo francês que parasse de vendê-las.

"As pessoas não esquecem quando algo é tirado delas", disse a historiadora de arte, lembrando o roubo de arte pelos nazistas e o saque de Napoleão Bonaparte. "Quando se quer recuperá-los, isto geralmente termina em violência."

Entretanto, Benedicte Savoy acredita que o problema ainda pode ser resolvido, desde que as pessoas estejam preparadas para falar abertamente sobre o tema - não apenas na Europa, mas também em África, com artistas, escritores, patrocinadores culturais e instituições.

"Não é uma questão de saber se as obras entraram nos museus legal ou ilegalmente", disse a historiadora. "É uma questão de construir um futuro comum. Só pode haver paz se estivermos realmente preparados para dialogar."

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