“Sinto frio, a cabeça dói e o meu corpo treme; o que será de mim sem ti, mãe? ”

Augusto Tomás na elegia fúnebre à sua mãe:

“Mãe querida,

Tiveste-me no meio da tua pobreza nas terras do Tafe,

Chorei quando nasci,

Como hoje choro a tua partida para a eternidade junto do criador,

Tive frio, agasalhaste-me,

Tive sede, deste-me de beber,

Tive fome, alimentaste-me;

Que saudades minha mãe

Que tristeza mãe,

Que fraqueza mãe,

A dor é muito forte,

A cruz é muito pesada mãe,

Não me abandones mãe,

Perdoa-me a minha ausência física nos teus últimos tempos de vida, por razões que eu também não sei explicar-te;

Neste mundo existem mistérios que só Deus sabe explicar, tal como aquilo que vai no coração de cada um; por esse motivo partes sem um adeus sequer, eu te amo tanto mãe;

Um amor tão grande, tão puro, tão forte, que o meu coração fica feliz e triste em simultâneo; fizeste-me tão humano, tão sensível e tão frágil, que lágrimas teimosas não me abandonam; sinto frio mãe, a cabeça dói, o corpo treme mãe;

Já não tenho sede, não tenho fome, não tenho sono mãe, o que será de mim sem ti, mãe querida, meu refúgio terreno, minha amiga, minha conselheira, minha protecção, minha vida; o teu amor por mim era tão grande que preferiste entregar-me à educação paternal dizendo: ” filho, ficarás melhor com o teu pai, eu não tenho nada para te dar”.

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Lembras-te mãe quando sofrias e choravas em Cabinda e a minha cabeça doía aqui em Luanda?

Quer dizer que o teu embrião nunca se separou de ti; ai minha mãe, como dói recordar o teu sofrimento enquanto fui menor de idade; nas lavras, praias e mercados, nas aldeias ou nas vilas e cidades, ensinaste-nos a essência do amor, do trabalho, do sacrifício, da honestidade, da sinceridade, da honra, da dignidade, da verdade e do carácter. Mãe querida, lembras-te quando me contavas “que a PIDE pretendia prender o pai, e eu, de tenra idade, dizia que não tinha medo da polícia?”

Eu me lembro que ele acabou por ser mesmo preso e o íamos visitar e levar roupa através da janela gradeada da cadeia civil; lembras-te quando foste de férias a Caio-Caliado, tua aldeia natal, passado algumas semanas sonhei contigo bem bonita com os teus trajes tradicionais da região, acordei cedinho pela manhã, corri para a tua casa, e encontrei-te de pé, defronte à residência, tal como te havia sonhado, inclusive com os mesmos panos, blusa e lenço?

Lembras-te quando fomos ao casamento da tua irmã caçula, tia Teresa Mazissa Zinga com o tio Domingos Zinga, no Subantando?

Lembras-te da minha primeira experiência nocturna nas matas de Caio-Caliado com o falecido avó Avelino, o tio João e os meus primos Joaquim, falecido Avelino e outros?

Lembras-te quando me contaste que a falecida avó Helena Kude gostava tanto de mim, que dizia que se eu fosse mulher tudo o que era dela ficaria para mim?

Lembras-te quando me contavas das tuas diligências realizadas junto do falecido avô Tênuca para se viabilizar o meu internamento no Hospital Distrital de Cabinda, o mesmo que ainda resiste aos tempos e hoje transformado em Hospital provincial; lembras-te quando eu ainda andava na escola primária, deste-me dois ovos, coloquei na pasta, fui à escola, joguei a bola e os ovos partiram-se, sujando os livros e cadernos; lembras-te quando estava a concluir o Curso Superior de Economia em Luanda, desapareci por mais de quatro meses, não sabiam onde me encontrava porque as cartas que eu escrevia, afinal, nunca haviam saído do quartel, no Ambriz, onde me encontrava a frequentar o curso de comandos;

Após terminar a formação regressámos a Luanda e fui de imediato a Cabinda; chegámos noite adiantada, fui a tua casa bati a janela e disse:” mãe, cheguei”, e tu gritaste a partir da tua cama:” muanami”- ” meu filho”. Abriste a porta e nos abraçamos largos segundos, dispensando palavras através dum silêncio eloquente e fraterno?

Lembras-te mãe quando me contaste que algumas pessoas, por ter vindo muito novo para a Universidade em Luanda e ser militar, pensavam que eu era “tchimbale”, e utilizavam uma linguagem perniciosa contra o teu filho e tu dizias: “não faz mal, meu filho FAPLA, é pobre”.

Querida mãe, são inúmeras as eistórias e episódios que teríamos para relatar, mas o tempo não permite, fica-nos apenas a recordação de alguns factos que são o testemunho fiel da relação e do amor entre mãe e filho ao longo dos meus 62 anos; sei que estamos juntos espiritualmente, e estás a acompanhar-me nesta jornada difícil; muito obrigado mãe querida por me teres gerado no teu ventre sagrado, e, por tudo o que me deste e fizeste de mim, em comunhão com o pai, o homem que sou hoje; muito obrigado mãe querida pela qualidade do embrião que carregaste e produziste; mãe querida, meu grande amor, mulher linda e maravilhosa,

Teus avós de Chiadede, teus pais, tios, irmãos, filhos, primos, amigos, que te antecederam nesta derradeira viagem estarão certamente a dar-te às boas-vindas junto do criador, pois um coração tão bondoso, a tua beleza interior e exterior, o teu espírito humano, familiar e solidário, de mãe dedicada e extremosa são motivos de orgulho para nós os teus filhos, cujos ensinamentos e memória jurámos preservar; mãe querida agradecemos a deus-pai por nos ter dado essa mãe sem igual, por tudo o que fez por ela ao longo da sua vida e por a ter resgatado na hora que considerou ter terminado a sua missão na terra. Mãe querida, um dia cansada da minha excessiva tranquilidade, pacifismo e bondade perguntaste-me:” yá tênuca, porque razão tens esse coração tão bom?”, eu respondi-te: ” foi assim que tu e o pai me fizeram “.

De facto na vida pudemos comprovar o que aprendemos numa aula de inglês no Curso Geral de Administração e Comércio, em Cabinda, na Era Colonial. O professor dizia:” is dangerous to be to good”-” é perigoso ser bom demais “. Mãe querida, sabemos que junto do pai celestial onde te encontras , continuarás a cuidar e a proteger os teus filhos, netos e demais familiares e amigos, conforme era teu apanágio, para que o amor , o perdão, a paz, a justiça, o humanismo , a solidariedade, a concórdia e a verdade sejam sinónimos da felicidade do teu povo.

Mãe querida não posso deixar de recordar, era eu criança e fomos a pé de Caio-Caliado ao N’tungo para um culto religioso num domingo de manhã, e apenas me lembro do refrão do cântico:” siala m’botê tatá, siala m’botê mamã, siala m’botê, siala m’botê” (fica bem pai, fica bem mãe).”

Jornal Kwanza

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