Mestres dos Congolenses resistem à crise
A reparação de aparelhos electrónicos, com destaque para telemóveis e computadores, é das actividades informais com longo histórico nas ruas e nos principais mercados informais de Luanda.
Dominado maioritariamente por jovens provenientes dos dois Congos e que alegadamente se deparam com obstáculos para conseguir o primeiro emprego em Angola, “por descriminação”, o ofício tem no mercado dos Congolenses um dos seus pontos de referência.
Nesse mercado, dezenas de jovens estão espalhados ao longo das ruas, das paragens de táxi e no interior do espaço. E todos se lançam numa frenética ‘caça aos clientes’ na luta pela sobrevivência. É o exemplo de Augusto Nicolau José que, por
conta do conflito civil em Angola, teve de se refugiar na República do Congo, onde se formou em enfermagem. Sem possibilidades de emprego na área de formação por vários naos, decidiu, há quatro anos, começar a vender acessórios, além de reparar e comprar telemóveis estragados no mercado dos Congolenses. Hoje, dá graças às valências aprendidas durante a vivência no país vizinho. “Lá no Congo, aprendemos a fazer várias coisas, por isso adaptamo-nos a fazer tantas coisas. É desta forma que sustentamos a família,” conta.
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Nos últimos meses, em consequência da elevada concorrência e da falta de clientes causada pela pandemia, Augusto viu cair a facturação diária de uma média de 13 mil para pouco dos sete mil kwanzas, valor com que paga também a renda de casa, entre outras despesas.
Carlos Gomes Ndeka é outro jovem que ganha a vida com a reparação de telemóveis. Formado em Electrotecnia pelo centro profissional de Cabinda, tem a praça como a “salvação”, diante da falta de emprego. Ndeka afirma ser a actividade rentável, mas nota estar em queda como resultado da pandemia que impôs restrições. Se antes facturava diariamente 25 a 30 mil kwanzas, com a troca de visor danificado e impressão digital, actualmente leva para casa entre sete e 10 mil kwanzas.
Sobre a aprendizagem do ofício, as histórias dispersam-se. Se uns tiveram formação na área, a maioria não. Afonso Mukoko, 30 anos, a operar no mercado do Luanda Sul, afirma que vários entram na actividade por mera curiosidade e acabaram por “enganar” muitas pessoas, razão de os clientes recorrerem a quem conhecem ou por recomendação. A consertar computadores e telefones há mais de oito anos, confessa não ter frequentado nenhuma formação, tendo aprendido com o vizinho. E somente depois de dois anos como aprendiz é que começou a exercer autonomamente, cobrando aos clientes. Actualmente, na sua bancada, opera com outros dois jovens aprendizes que ganham pequenas percentagens a cada obra reparada.
Criativos na caça ao cliente
Uma particularidade visível no mercado dos Congolenses é que os jovens de nacionalidade congolesa, apesar de não gostarem de identificar-se como tal, são os mais criativos, perante a acentuada concorrência. Preferem sair do mercado na busca de clientes nos táxis, fazendo marketing ‘boca a boca’, com promessas de reduzir o preço. A estratégia muitas vezes funciona e assim ganham um pouco mais, ao contrário de muitos, particularmente angolanos, que ficam na sua ‘zona de conforto’.
Na caça ao cliente, não estão apenas os técnicos, também os denominados ‘chamadores’, indivíduos intermediários. Vários jovens desempregados ganham a vida na procura de clientes para os famosos ‘mestres.’ A cada cliente conseguido, a depender do tipo de avaria do aparelho, ao intermediário é oferecida uma pequena percentagem não revelada.
Falta de material
O mercado dos Congolenses é conhecido pelo facto de dispor sempre de acessórios electrónicos difíceis de encontrar nas lojas formais do país. A verdade é que esta fama tem os dias contados, segundo os operadores. Em consequência da pandemia, os fornecedores chineses não conseguiram repor o stock e o pouco existente, neste momento, está a ser comercializado a preços exorbitantes. Por exemplo, o visor do Samsung Galaxy S8 Plus está a ser vendido com montagem por entre 175 e 180 mil kwanzas. Mas os técnicos adquirem-no dos fornecedores por 165 mil kwanzas. O mais caro é o visor do Samsung X. Anteriormente vendido a 100 mil, pode custar, incluindo a montagem, 200 mil kwanzas.
A alternativa dos comerciantes tem sido a compra de aparelhos electrónicos avariados para extraírem as peças ainda em bom estado. Na ausência de determinado acessório, usam ‘truques’ para adaptarem o que têm disponível, só que muitas vezes não funciona.
A ‘dor de cabeça’ de muitos operadores prende-se com os agentes da polícia e fiscais das administrações que, muitas vezes, recusam a pagar pela reparação de algum aparelho. E mais: apreendem telefones e computadores de grande valor sem motivo aparente, mesmo com os ‘mestres’ a pagarem os 250 kwanzas de taxa diária.
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