Eleições na Alemanha, simulacro em Angola- Nelson Sul

Em finais de Julho de 2017, fui convidado pelo Governo alemão, por intermédio do Ministério Federal das Relações Exteriores, para falar sobre «Eleições e Preparação de Eleições», numa altura em que a Alemanha se preparava já para eleger, no dia 24 de Setembro do mesmo ano, o seu 19.º Governo Federal, após a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945.

Para além de mim, fizeram parte da comitiva outros angolanos, nomeadamente: o advogado David Mendes e o jornalista Reginaldo Silva, assim como representantes de instituições governamentais de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Equatorial e Moçambique. Entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa –PALOP -, a Guiné-Bissau foi ausência notada.

Acedi ao convite para o evento por duas razões: primeiro porque sabia que representaria um valioso contributo para a minha formação e, em segundo, porque se revestia de uma oportunidade ímpar para conhecer de perto como funciona a máquina eleitoral na Alemanha. Acrescento, como não podia deixar de ser, o facto de o convite ter coincidido com as eleições em Angola, ocorridas a 23 de Agosto, ‘’elegendo’’ o quarto Governo Republicano, depois da queda do regime monopartidário, em 1991.

É sobre este capítulo que gostaria de partilhar com os angolanos o que devíamos aprender com os alemães, para que tenhamos ‘’um país igualitário e desenvolvido’’, tendo como paradigma as diferenças entre eleições e um simulacro de eleições, como o que se assistiu em Angola. Mas avancemos por partes....

Fisioterapia ao domicílio com a doctora Odeth Muenho, liga agora e faça o seu agendamento, 923593879 ou 923328762


Comecemos, então, por falar do sistema político-eleitoral da Alemanha, bastante complexo, que proporciona "conforto" a todos os seus cidadãos no que diz respeito às liberdades fundamentais e políticas. O princípio material do seu sistema constitucional é, precisamente, a existência de vários partidos, ou seja, a Constituição alemã proíbe a existência de um único partido político. Mais interessante do que isso, ao contrário do sistema angolano, que exige 7500 assinaturas para a criação de um partido, na Alemanha a criação de partido político é livre, bastando apenas que os seus proponentes reúnam, no mínimo, 200 assinaturas. É curioso: a população alemã é estimada em mais de 83,09 milhões de habitantes, quase três vezes superior à angolana, porém, para a legalização de um partido político, Angola pede 3650 por cento mais assinaturas que a Alemanha.

Acresce-se a isto o facto de os alemães não estarem obrigados a subscrever um único projecto político, naquilo que pode ser entendido como um claro comprometimento do Estado, enquanto Nação, de que todos são poucos e essenciais para a defesa da democracia. É isso que, infelizmente, o legislador angolano, apoiado pelos juristas de costume, não souberam entender. Num Estado que não se livra das amarras do autoritarismo, iniciativas partidárias como a do político Abel Epalanga Chivukuvuku, o PRA-JA, acabam sempre bloqueadas na «secretaria» do Tribunal Constitucional por duas razões: a primeira tem que ver com o quadro político-legal e a segunda com a ideologia dos próprios magistrados daquele órgão que, salvo raras excepções, chegaram ali por fidelidade «canina» ao partido (des)governante desde a nossa independência.

A explicação sobre essa questão é a seguinte: entendeu o legislador alemão que determinado projecto político desconhecido não deve encontrar dificuldades na hora da legalização, já que exigir mais de 200 assinaturas é, no fundo, impedir que os grupos minoritários que muitas vezes não se revêem nos partidos de massa possam organizar-se politicamente. Em sentido contrário, a extinção dos partidos políticos só se verifica em caso de uma grave violação da Constituição, devidamente avaliada pelo Tribunal Federal Constitucional e não por os integrantes não conseguirem atingir 0,5% dos votos expressos numa eleição, como é o caso de Angola.

Outrossim, há uma particularidade no sistema alemão que é, quanto a nós, um exemplo de que a democracia só é funcional em qualquer sociedade quando ela é exercitada dentro dos partidos políticos. Refiro-me ao facto de, ao abrigo da Constituição alemã, os candidatos a deputados federais terem de passar por um processo de eleição nos seus partidos, acabando submetidos ao crivo de militantes/pares numa eleição livre e secreta, e não pelo presidente do partido. O objectivo desta norma-jurídica é o de garantir “independência” na actuação do deputado perante as directrizes do partido e do seu presidente.

Entretanto, apesar da credibilidade do seu sistema, a Alemanha promove eleições que não estão isentas de irregularidades. Acontece, contudo, que, ao contrário do que se passa em Angola, é preciso dizê-lo, na Alemanha uma irregularidade verificada numa assembleia de votos é determinado que se repita a eleição, sem que se coloque em causa todo o processo.

Na democracia alemã, vigora o princípio básico segundo o qual o resultado de uma eleição só é legitimado se não decorrer de irregularidades/falhas. E, sendo as eleições um processo do interesse primário do povo - e não dos partidos-, qualquer cidadão tem o direito de se deslocar às assembleias e observar a contagem dos votos. É isso a que se chama transparência e não necessariamente de desconfiança das instituições e/ou actos que possam provocar ‘’a destruição do país ou a alteração da ordem pública e da paz’’.

Pôde ainda encontrar respostas sobre um dos grandes debates que sempre dividiu os analistas e os actores políticos angolanos que tem que ver com o financiamento da campanha dos partidos políticos. De facto, a "Lei Mãe" de Angola proíbe que os partidos políticos sejam financiados por entidades estrangeiras. No entanto, uma coisa é o que diz a Lei, outra, bem diferente, é a prática. O exemplo acabado vem do escândalo do Lava Jato, onde o MPLA beneficiou de 50 milhões de dólares (44,6 milhões de euros) da construtora brasileira Odebrecht para financiamento da sua campanha eleitoral de 2012.

No caso alemão, o Tribunal Constitucional decretou que, não sendo os partidos políticos uma organização do Estado – claro, em Angola também não o são -, o Estado não pode financiar as campanhas dos partidos a 100 por cento. Por isso, não é proibido que cidadãos singulares, empresas nacionais e estrangeiras e partidos políticos estrangeiros possam fazer doações a determinado partido/candidato concorrente. Mas atenção ao seguinte: as doações são feitas de forma transparente, ou seja, os doadores devem estar devidamente identificados, mediante um relatório apresentado pelos partidos políticos junto do Tribunal Constitucional, que, por sua vez, verifica e valida as doações através de um relatório que é publicado na imprensa e na internet.

Por outro lado, essas doações nunca podem ultrapassar os 500 mil euros, e o partido que ocultar a identidade dos doadores é sancionado com uma multa referente ao dobro da doação recebida e os dirigentes são responsabilizados criminalmente, correndo o risco de nunca mais terem a possibilidade de ser eleitos ou nomeados para um cargo político, no Governo e no Estado.

Em tempo de eleições, é admissível o populismo político, sobretudo de quem governa com o fim de captar o voto dos cidadãos para a sua reeleição. Portanto, tal como em Angola, na Alemanha em tempo de eleições as políticas do Governo são, igualmente, populistas, mormente o aumento do salário mínimo e outras não menos importantes.

Infelizmente, também aqui existe uma diferença, não legal, mas das regras democráticas, da ética política. Por exemplo, é tradicional que, em época eleitoral, os ministros não divulguem informações que mostrem os êxitos do Governo. É igualmente tradicional que os ministros não efectuem visitas a
instituições públicas, nem baixem orientações.

Os ministros do Interior e da Defesa já não efectuam visitas a esquadras policiais e ao exército. Tudo diferente de Angola, onde João Lourenço, então ministro da Defesa e candidato a Presidente da República pelo MPLA, se reunia, na calada da noite e até à luz do dia, com militares e com altas chefias da Casa Militar da Presidência, ao mesmo tempo que dirigia, ainda, na sede do partido, com as mesmas chefias da Casa Militar da Presidência, a sua estratégia de manutenção do poder do MPLA, o partido governante, há quase 45 anos.

Outra coisa que os angolanos deviam aprender com os alemães tem que ver com o voluntarismo dos cidadãos que trabalham nas assembleias de voto, sendo que a participação dos mesmos é recompensada simplesmente com uma medalha, que simboliza o reconhecimento do Estado pela participação na maior "festa da democracia". Lá, as regras do jogo são as leis e a consciência colectiva. Como dizia Kennedy: “Não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo teu país”.

Não podia deixar de me referir à visita que efectuámos à sede da Conferência Federal de Imprensa, que é uma organização de jornalistas alemães que surgiu da necessidade de facilitar a relação entre as instituições (púbicas e privadas) e os jornalistas.

A ideia encontra justificação nas queixas de muitos jornalistas dos pequenos media em relação a dificuldades, no acesso às fontes oficias, o que não acontecia com os grandes grupos de comunicação social. A Lei de Informação alemã obriga as instituições e as entidades públicas a fornecerem informações quando confrontadas por cidadãos, quanto mais não seja quando em causa estiverem jornalistas.

Neste quesito, para finalizar, o Governo Federal Alemão é também ‘’obrigado’’ a promover três conferências de imprensa por semana, para analisar os mais variados assuntos com todos os órgãos de comunicação social, sem excepção. Tudo diferente de Angola, onde os órgãos de comunicação social, públicos e a maioria dos privados, assim como a Comissão Nacional Eleitoral, os Serviços de Inteligência e os Tribunais, incluindo o Supremo e o Constitucional, são a extensão das células do MPLA.

Saiba mais sobre este assunto, clicando AQUI

Lil Pasta News, nós não informamos, nós somos a informação

Postar um comentário

0 Comentários