Devemos mesmo substituir o pão pela mandioca e batata doce?

Ouvi há dias, do Ministro da Indústria e Comércio, a sugestão de substituição (ao matabicho) do pão pela mandioca, batata doce, banana assada (ou cozida) e ginguba. Houve quem tivesse batido palmas, agradado por esta intervenção. Mas eu não me incluo neste grupo, como é óbvio.

Não gostei de ouvir este pronunciamento do Ministro da Indústria e Comércio, por uma série de razões.

A primeira delas, desde logo, é que esta não é sugestão para ser apresentada por qualquer Ministro. E muito menos, por um Ministro da Indústria e Comércio.

O que o Ministério da Indústria e Comércio deve fazer, não será aconselhar as pessoas a consumir isto ou a deixar de consumir aquilo, mas é projectar e dirigir a execução de políticas públicas. Estas sim, podem a seu tempo conduzir a uma eventual mudança de hábitos alimentares. Mas nunca por decreto.

É muito fácil recomendar isto ou aquilo às pessoas.

Pode até parecer chique, quando se dá a entender que seremos talvez mais patriotas se consumirmos mais mandioca ou menos pão.

É muito mais fácil fazer afirmações como esta, do que o ministério fazer aquilo para que está vocacionado: por exemplo, olhar para o que importamos e definir metas e acções, de modo que deixemos de importar produtos acabados e passemos a importar matéria-prima em muito menor quantidade.

Porquê?

Porque um tal programa deve prever aquilo que deve ser feito para passarmos a produzir aqui o tal bem. Etapa após etapa, vamos diminuindo a importação de matéria-prima. E vamos deixando também de importar os produtos acabados, porque passamos a investir na indústria nacional.

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Esta é tarefa de competência do Ministério da Indústria e Comércio. Tudo o resto é show-off, que nada acrescenta àquilo que deve de facto ser feito.

Portanto, ao contrário da opinião expressa (por exemplo) pelo meu amigo Sousa Jamba, não gostei mesmo nada desta intervenção do Sr. Ministro.

Quanto à possibilidade de redefinição da cesta básica, que o façamos com base na capacidade produtiva interna e nos hábitos alimentares da maioria da população – ou em geral, ou por regiões.

Em segundo lugar, temos de perceber que a mudança de hábitos alimentares não se faz por decreto.

Há razões de natureza antropológica e sociológica que estão por detrás dos hábitos e costumes (incluindo os alimentares). E há razões que até a própria razão desconhece. Mas não é o caso, por sinal.

Quando se apresenta uma sugestão como a que aqui refiro, nota-se que ela é dirigida ao meio urbano. Porque, no meio rural, consome-se mais mandioca/milho e batata doce do que pão.
Então vamos dizer às pessoas que devem deixar de comer pão, apenas porque acordámos a pensar nessa possibilidade? Ou porque ela nos ocorreu enquanto falávamos de outras coisas mais sérias?

O terceiro aspecto tem a ver com a possibilidade que umas pessoas têm, de substituir o pão pela mandioca e batata doce – enquanto outras não têm mesmo essa possibilidade.

É muito fácil fazer uma tal recomendação, que simplesmente não considera o preço das coisas. E não considera quem tem realmente possibilidade de trocar o pão por qualquer outro alimento.

A questão é que o pão é dos produtos mais baratos que temos. Com quaisquer 100 kwanzas (cada vez mais difíceis de conseguir, é verdade), uma pessoa toma o pequeno-almoço tendo como alimento de base o pão.

Em contrapartida, quanto teremos de gastar para consumir a mesma quantidade de mandioca, batata doce, banana cozida e ginguba, para que nos sintamos saciados exactamente na mesma proporção?

É também nisto que temos de pensar, antes de fazer afirmações como esta, sobre a qual nos pronunciamos aqui.

Um quarto aspecto estará relacionado com a ideia errada, de que devemos consumir aquilo que é nosso.

Será que, por consumirmos pão, seremos menos angolanos? Ou menos africanos?

Engraçado é que o pão, como se sabe, veio das Arábias. Parece ser originário da Jordânia. E logo depois, para aí uns 4 mil anos antes de Cristo, o pão era usado no Egipto como moeda para pagamento de salários.

É, pois, um produto há muito africano. Chega a ser até mais africano do que a mandioca (originária da Amazónia, Brasil) ou a batata doce (originária dos Andes, também no Sul da América).

Por último, vem a questão relacionada com a matéria-prima para fazer o pão.
Por que razão, quando se fala em pão, a pessoa tem de pensar necessariamente em pão de trigo?

Porque há pão feito de farinha de milho, de farinha de batata doce ou de farinha de outros cereais, que se produzem aqui em Angola (como a massambala e o massango, por exemplo).
Portanto, o que quero dizer é que o assunto é mais sério do que aquilo que ocorreu ao Sr. Ministro.

Que fosse dito que devemos passar a produzir pão com cereais que se produzem por cá, isso até aceitaria. Desde que o Estado fomentasse a criação de moagens para produção de farinha a partir desses cereais.

Isto sim, são políticas públicas. É tarefa de um ministério.

Em conclusão, o que posso dizer é que não concordo de todo com a afirmação do Sr. Ministro da Indústria e Comércio, segundo a qual devemos (em meio urbano angolano) substituir ao pequeno-almoço o pão pela mandioca, batata doce, banana cozida e ginguba. Um Ministro não é um nutricionista. Um Ministro deve ocupar-se de políticas públicas.

Uma coisa é a opinião da pessoa, do nutricionista, outra a posição do Ministro.

Paulo de Carvalho

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