A defesa do antigo governador do Banco Nacional de Angola, sustenta que, na acusação do Ministério Público (MP) “não constam, nem poderiam constar, factos e provas para incriminar Valter Filipe, existem apenas muitas suposições, presunções e conclusões genéricas”, afirmando ter a profunda convicção da absolvição do também membro do Comité Central do MPLA.
Segundo um memorando a que o Correio da Kianda teve acesso, a defesa sustenta as suas afirmações pelas seguintes teses:
I.º SISTEMA ADMINISTRATIVO FINANCEIRO DE ANGOLA
A Constituição da República, no n.º 1, do art. 100.º, consagra que o BNA, como banco central e emissor, assegura a preservação do valor da moeda nacional e participa na definição das políticas monetária, financeira e cambial.
A Lei n.º 16/10, de 15 de Julho (Lei Orgânica do BNA), no artigo n.º 1, sobre a sua natureza, estabelece que o BNA é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Nos n.ºs 1 e 2, do art. 3.º, diz que são atribuições do BNA, as seguintes:
– O BNA, como banco central e emissor, assegura a preservação do valor da moeda nacional e participa na definição das políticas monetária, financeira e cambial.
– Compete ao BNA, a execução, acompanhamento e controlo das políticas monetárias, cambial e de crédito, a gestão do sistema de pagamentos e administração do meio circulante no âmbito da política económica do País.
Além dessa atribuições, o n.º 1, do art. 16°, (…) vem dizer que compete ainda ao BNA:
c) participar com o Poder Executivo na definição, condução, execução, acompanhamento e controlo a política cambial e respectivo mercado;
Destes artigos da Lei Orgânica, se entende que o BNA, do ponto de vista instituições, é um órgão da administração pública, com autonomia administrativa, mas, do ponto de vista funcional e operacional, não é um órgãos Autónomo, em relação ao Presidente da República, porque, o Titular do Poder Executivo (presidente) é que define, dirige e orienta as políticas monetária, financeira e cambial, cabendo ao BNA, somente, participar e executar, o que significa, claramente, que o BNA e o seu Governador, subordinam-se ao Presidente da República, que é o Titular do Poder Executivo.
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E mais grave, porque, não é assim, nos países ocidentais. Aqui, o Governador é nomeado pelo PR, é convidado permanente do Conselho de Ministros, da Comissão para a Política Económico e do Comité de Coordenação da Política Fiscal, Monetária e Cambial. Situação que retira, total autonomia ao BNA.
A doutrina angolana, também, confirma a dependência do BNA ao Titular do Poder Executivo, no livro sobre a Constituição da República de Angola, Enquadramento Dogmático – A nossa visão, Vol. III, na sua página 125, diz que … somos de opinião que, embora o BNA tenha um estatuto de autonomia reforçada, não estão reunidas as características bastantes para lhe ser reconhecida a natureza de entidades administrativas independente. Posicionamo-nos no sentido de este órgão assumir a natureza de instituto público sui generis.
IIº AS COMPETÊNCIAS DO GOVERNADOR
Nos termos do artigo 48.º da LOBNA, são órgãos do BNA: o Governador; o Conselho de Administração; o Conselho de Auditoria; d) o Conselho Consultivo.
Nos termos do art. 49.º da Lei Orgânica do BNA, “O Governador é um órgão unipessoal que representa e responde pelo Banco Nacional de Angola perante o Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo…”, o que significa que o órgão superior do BNA é o Governador e que subordina-se ao Presidente da República.
Destes artigos entende-se, claramente, que o Governador deve responder as ordens, as instruções e as orientações do Presidente da República, por que cabe a ele definir e dirigir a política monetária, cambial e financeira, e, somente, ao governador cabe participar e executar políticas, por isso, é membro do Conselho de Ministro.
Esta é uma das razoes pela qual o BNA, não é considerado um banco de equivalência de Bancos Centrais Europeus, pois, não é um banco autónomo, em relação ao Governo. Esta é uma das alterações, que o FMI esta a impor, no âmbito do seu programa.
No âmbito interno, o Governador do BNA, nos termos do art. 51°, da Lei Orgânica, compete: a) representar o BNA; b) actuar, em nome do Banco Nacional de Angola, junto de instituições nacionais, estrangeiras ou internacionais; c) convocar e presidir às reuniões do Conselho de Administração..; d) actuar como representante máximo do BNA; f) praticar tudo o mais que, legalmente, lhe for incumbido.
É, evidente, que o Governador do BNA, nos termos da Lei orgânica do BNA, tinha competências, para cumprir a orientação do anterior Presidente da República, para coordenador a equipa e fazer a transferência, prova desta licitude, foi ter cumprido, também, com a ordem do actual Presidente, para fazer o estorno do valor dos 500 mil milhões de dólares, directamente, ao Banco HSBC, ordem que levou ao cancelamento do valor, visto que a devolução do valor deveria ser solicitado a empresa Perfectbit, titular da conta.
O Conselho de Administração, num Banco Central, é um simples órgãos de gestão, organização e articulação interna e a Lei do BNA não estabelece competências específicas. No art. 60.º da Lei do BNA que define “O Conselho de Administração, sob proposta do Governador, atribui, aos seus membros pelouros, correspondentes a um ou mais serviços do BNA…”. O Conselho de Administração é um órgão colegial, subordinado ao “órgão Governador”, que lhe preside.
Portanto, visto que, o Governador responde perante o Presidente, e, sendo o órgão máximo do BNA, nada lhe impede, do ponto de vista legal, de cumprir as ordens do presidente, sem autorização do Conselho de Administração.
IV.º A TRANSFERÊNCIA FOI LÍCITA
O actual Governador do BNA, José de Lima Massano, quando foi perguntado, se a ordem de transferência dada pelo Ex-Governador do BNA, Valter Filipe, foi ilícita, respondeu: se o contrato de alocação de gestão de ativos era legítimo ou legal então a transferência era lícita, e, perguntado se o Ex-Governador tinha competência para mandar fazer a transferência, respondeu que tinha competências, no âmbito da política de Gestão e Investimento das Reservas Internacionais Líquidas.
Assim, segundo o Despacho n.º 238/2011, sobre a Política de gestão e investimentos das reservas internacionais, no capítulo IV, o Ex-Governador do BNA, enquanto administrador do pelouro do Departamento da Gestão de Reservas, tem competências para transferir 500 mil milhões, sem ouvir o Conselho de Administração e o Comité de Investimentos do BNA.
V.º PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA A TRANSFERÊNCIA
No procedimento da transferência, por orientação do Presidente, o Governador ordenou o Director do Departamento de Gestão de Reservas que por sua vez, mandou três funcionários, a preencherem a boleta (formulário), verificarem o complaince, confirmarem a legalidade e legitimidade, e depois, remeteu ao Director do Departamento de Operações, através do sistema informático SAP, que ordenou três técnicos a formalizarem a operação, e, através da aplicação do swift (registo no sistema internacional) realizou a transferência. Entretanto, não se registou a operação, imediatamente, na contabilidade, e, como se iria fazer a devolução, dentro de 30 dias, só mais tarde, se efectuou o registo.
No entanto, a irregularidade do registo imediato, é uma contraversão administrativas, não é um ilicitude criminal, e, não torna a transferência ilícita. São anomalias administrativas, cuja consequência pode ser ou não a anulação do acto, nos termos do Decreto-Lei 16-A/96, sobre o procedimento administrativo.
VI.º CRIME DE PECULATO
O artigo 313.º do Código Penal, estabelece que o crime de peculato é quando todo o empregado público que em razão das suas funções tiver em seu poder dinheiro, títulos de crédito, ou efeitos móveis pertencentes ao Estado, ou a particulares, para guarda, despender ou administrar ou lhes dar o destino legal, e alguma coisa destas furtar, maliciosamente levar, ou deixar levar ou furtar a outrem, ou aplicar a usos próprio ou alheio, faltando à aplicação ou entrega legal, será condenado na pena correspondente ao crime de roubo, nos termos do art. 437.º.
1 – Se der o dinheiro a ganho, ou emprestar ou pagar antes do vencimento, ou se, estando encarregado da arrecadação ou cobrança de alguma coisas pertencente ao Estado, der espaço ou espera aos devedores, será condenado na pena correspondente ao crime de furto, segundo o valor.
2 – Se der ao dinheiro público um destino público diferente daquele para que era destinado, será suspenso até seis meses e condenado em multa de 50 a 300 kwanzas.
Trata-se de um crime, de proteção dupla do bem jurídico patrimonial do Estado, que somente, existe quando, há abuso de função, pelo facto do agente se apropriar ou onerar bens de que tem a posse, em razão das funções que exerce, violando com esse comportamento, a relação de fidelidade com o Estado, pois, em outros termos, trata-se de um desvio do objecto do fim a que era destinado (vide pags. 688 e 699, parte Especial, Tomo III, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 2001).
Aqui o dinheiro, bens ou créditos, que estejam na posse do agente público ou terceiros, o que não é no caso em concreto, visto que, os 500 milhões, segundo o próprio BNA, foi uma aplicação, que não criou prejuízos ao Estado, numa conta fiduciária (ou de custódia), que não consegue debitar (não se faz levantamentos), cujo fim, era para ser a primeira garantia, de um financiamento para fundos do Estado.
A conduta punida por este tipo legal consiste na apropriação ilegítima, que deve entender-se o acto de fazer seu o bem, agindo como fosse seu proprietário e não mero possuidor, por outro lado, a apropriação poderá ser feita em proveito próprio ou de outra pessoa, portanto, deve haver, neste crime a reversão do bem, em benefício do agente público.
Neste caso dos 500 milhões, o Ministério Público, não provou ter encontrado, algum valor nas contas do Ex-governador e do Director, nem provou algum benefício ou proveito que ambos tiveram, decorrente desta transferência, e mais, do ponto de vista jurídico, o valor sempre permaneceu na esfera jurídica do BNA, pois, era dinheiro da carteira de gestão do BNA, somente, depositado, na conta de um agente custodiante, como garantia, durante 30 dias, depois, seria devolvido à conta do BNA.
Portanto, os factos, concretamente, a transferência dos 500 milhões, não preenchem os requisitos constitutivos e cumulativos, do crime de peculato, visto que:
– tratou-se de uma transferência, em cumprimento de uma orientação do Presidente da República, o que demostra não haver intenção (dolo) do Governador, de furtar o dinheiro ou maliciosamente levar, ou deixar levar ou furtar a outrem.
– o valor foi uma aplicação feita pelo BNA, como garantia, o que significa que nunca deixou de ser dinheiro do BNA, e, evidência nunca ter estado na posse do Governador e do Director, e muito menos, ter sido aplicado a uso próprio ou alheio;
– o MP não apresentou nenhuma prova do cometimento do crime de peculato, como por exemplo, algum valor na conta do Governador ou Director, ou até dos outros arguidos, e, nem os benefícios decorrente do valor, porque não existiu crime: não há prova de que … o dinheiro, bens e títulos de crédito… foram encontrados em poder do Governador, Director ou outros arguidos.
– o valor, foi restituído, na totalidade, ao BNA, sem criar qualquer prejuízo ao Estado, o que prova, que o Governador, o Director e outros arguidos, nunca se beneficiaram dos valores.
Finalmente, o crime de branqueamento de capitais não existe porque não existiu o crime de peculato, ou melhor, o Ministério Público divagou, fez inferência, mas não apresentou provas, como manda a lei penal, para justificar a sua posição, não provou que o dinheiro foi furtado, os arguidos tinham em seu poder o dinheiro. Também, não provou que branquearam o dinheiro comprando imóveis ou dando fins não legais.
Portanto, o Direito Penal e Processual Penal são objectivos para a verdade material. Tem de haver provas para inferir qualquer juízo criminal, sob pena de fazer-se uma justiça pré-orientada ou motivada por elementos que não fazem parte dos órgãos judiciais.
Correio Kianda
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