O papel da Assembleia Nacional no combate à corrupção - Sampaio Mucanda

À luz da Constituição, a Assembleia Nacional é um dos três Órgãos de Soberania do Estado Angolano, que tem três funções fundamentais, nomeadamente:

A Função Representativa, consubstanciada na representação popular, exercida por Deputados eleitos através das eleições legislativas, com mandatos de cinco anos.

A Função Legislativa, que consiste na feitura das leis e na aprovação de tratados e convenções internacionais, no âmbito do Direito Internacional.

A função fiscalizadora, que compreende o controlo da aplicação da Constituição da República de Angola e da boa execução das leis e dos actos do Executivo (Guia Prático da Assembleia Nacional de Angola, 2017 p.32).

Sem desprimor de outras funções, a reflexão deste texto vai-se debruçar sobre a urgência da Assembleia Nacional exercer a sua função fiscalizadora, como factor-chave na criação de condições necessárias para combater efectivamente a corrupção e os desvios de fundos públicos.

Lembrai que, na campanha eleitoral de 2017, e na cerimónia de investidura, o Presidente da República, João Manuel Gonçalves Lourenço, afirmava publicamente que, cita: "Vamos corrigir o que está mal e melhorar o que está bem." Fim da citação

Se na verdade o Presidente da República tivesse a vontade política de corrigir o que está mal, teria a hombridade de não somente revogar o Acórdão 319/2013, do Tribunal Constitucional, mas sim, de proceder à Revisão da Constituição de 2010, que concentra todos os poderes no Presidente da República, que é o Titular do Poder Executivo e o Chefe de Estado. Pois, o Poder Legislativo deve exercer plenamente as suas funções da representatividade, da legislação e da fiscalização dos Órgãos Governativos.

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Pois, se olharmos para o sistema político actual de Angola, na base da Constituição de 2010, constata-se que, há concentração excessiva de poderes e os mecanismos de fiscalização e de controlo reciproco dos três Órgãos de Soberania do Estado são inexistentes ou são ineficazes.

Aliás, o Acórdão nº 319/2013, do Tribunal Constitucional, declara o seguinte: «A Constituição da República de Angola não confere à Assembleia Nacional competências para fazer interpelações e inquéritos ao Executivo, nem para convocar, fazer perguntas ou audições aos Ministros, uma vez que em Angola os Ministros de Estado, Ministros e Governadores desempenham funções delegadas pelo Titular do Poder Executivo, que é o Presidente da República».

O extrato acima referida, do Acórdão 319/13, do Tribunal Constitucional, não corresponde ao princípio universal de checks and balances, isto é, da interdependência de funções, da criação de freios e contrapesos, da transparência e da compliances, no sentido de garantir a boa governação e evitar o abuso do poder. O Constitucionalista Norte-americano e Ex-Presidente dos Estados Unidos da América, James Madison, Jr, afirmava o seguinte: «o sistema de checks and balances dos poderes não é possível senão quando cada um deles ter parte nos outros e poder controlá-los e influenciá-los, no qual nenhum dos três poderes deve ser superior ou subordinado aos outros dois».

Nesta matéria, o Filosofo Francês, Charles-Louis de Montesquieu defendia a tese de que, «quando cada poder é independente no domínio de suas funções e não poder ser controlado pelos outros dois, o cidadão fica, de qualquer forma, entregue à arbitrariedade dos funcionários públicos, pois nem o tribunal administrativo nem o parlamento tem o direito de interferir nas actividades do poder executivo. Para que não seja possível abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder coloque freios ao poder.

As afirmações do James Madison e do Montesquieu fazem-nos entender bem porque o Grupo Parlamentar do MPLA, em 2013, tinha forçado o Tribunal Constitucional para elaborar o Acórdão 319/13, no sentido de bloquear a fiscalização do Executivo e permitir o saque desenfreado dos Cofres do Estado, com fim de erguer uma classe de capitalistas selvagens.

Agora, se o Presidente João Lourenço pretende de facto combater a corrupção e os desvios de fundos públicos, a primeira coisa que havia de fazer seria proceder rapidamente à revogação do Acórdão 319/13.

Sem o mecanismo independente de fiscalização, como a Assembleia Nacional, composta por vários partidos políticos, não é possível combater efectivamente a corrupção em Angola.

Nas condições actuais, com instituições públicas bastantes corruptas, frágeis e vulneráveis, sem o engajamento forte da Assembleia Nacional, na fiscalização dos actos do governo, torna-se difícil combater a corrupção, o branqueamento de capitais, os desvios de fundos públicos, a fuga ao fisco e o financiamento do terrorismo. Note-se que, o sistema bancário angolano é muito vulnerável e exigem a restruturação profunda e a fiscalização rigorosa interna e externa, em que a Assembleia Nacional, como órgão legislativo, desempenha o papel fundamental.

Por isso, é difícil perceber a lógica do novo paradigma que o Presidente da República tem estado apregoar, sem tomar a iniciativa de equilibrar os poderes, estabelecer os contrapesos, de reforçar os freios institucionais e de revogar o Acórdão 319/13, do Tribunal Constitucional, para que a Assembleia Nacional tenha plenos poderes para fiscalizar as Instituições do Estado.

O Poder Executivo, em si só, não é capaz de combater a corrupção e os desvios de fundos públicos. Isso é como alguém que dá o ouro ao bandido, ou que deixa permitir a raposa instalar-se no galinheiro.

Repare que, a inexistência da fiscalização efectiva dos actos do Executivo pelo Órgão Legislativo tem as seguintes consequências:

a) A Assembleia Nacional aprova o Orçamento Geral do Estado, mas não tem a autoridade de fiscalizar a sua execução, o que permite os executores violar as normas orçamentais e propiciar os desvios dos fundos públicos.

b) Os gestores públicos tem o espaço livre de constar nos OGE projectos fantasmas; haver projectos já executados mas que continuam em outros Orçamentos subsequentes, servindo-se de oleodutos para desviar os fundos públicos; haver projectos já financiados pelo Estado que nunca arrancaram ou não são concluídos; existir projectos executados com gastos exorbitantes, mas sem qualidade; haver o saque de dinheiros públicos através da multiplicação dos custos dos projectos (conforme acontece com alguns projectos do PIIM); existir Governadores Provinciais e Administradores Municipais que desviam dinheiros e donativos destinados às vítimas das calamidades naturais, como as secas que atingem frequentemente a Região Sul de Angola.

c) A manipulação dos dados pelos Auxiliares (Governadores Provinciais, Ministros...) através de introduzir dados falsos nos Relatórios da Conta Geral do Estado dirigidos ao Presidente da Republica. Os casos concretos em que o Presidente da República foi enganado pelos seus auxiliares foram da Mediateca do Bié e da Escola Hélder Neto no Namibe, que ele anunciou publicamente, no acto solene, como sendo Obras já concluídas. Isso causou grandes transtornos e o descredito do Chefe de Estado perante a opinião pública.

Em síntese, o combate à corrupção em Angola exigem, além da fiscalização da Assembleia Nacional e do Tribunal Contas, deve haver a participação ampla e activa de toda gente, isto é, das Organizações da Sociedade Civil, das Autoridades Tradicionais, das Comunidades Locais, das Igrejas, dos Órgãos da Comunicação Social e das Redes Sociais. Por isso, o Titular do Poder Executivo não deve chamar a si toda a responsabilidade de combater a corrupção e os desvios de fundos públicos, porque isso vai resultar em nada.

Moçâmedes, 28 de Junho de 2020

Saiba mais sobre este assunto, clicando neste link https://youtu.be/dmIswzLdafY

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