O Beto do mercado do Peixe- Domingo das Neves

Quarta-feira passada, fui nalgum desses mercados do peixe, aqui de Luanda, para comprar alguma boa quantidade de peixe para o consumo no óbito do meu filho Jorge.
Ao chegar ao mercado, aproximou-se do carro uma multidão de jovens que se oferecem para ajudar a carregar a caixa térmica, estabelecendo um preço em contrapartida. Eu escolhi a oferta do preço do Beto, porque era a mais barata e ele mostrava-se mais ciente. Por sua vez, ele arregimentou um outro jovem, o Mingo.

Andamos à voltas à procura da melhor qualidade e oferta do peixe para o óbito e, fui comprando o produto na base das suas propostas, entre o que era peixe fresco ou peixe congelado. Nas voltas, uns me confundiam com o jornalista da tv zimbo, o meu amigo Carlos Teixeira de Carvalho, outros com o Senhor deputado - não sei se o kota Saviemba ou se o Dr. Mendes - mas nunca me identificaram comigo mesmo. O Beto ao ouvir esses comentários me fez saber que agora compreendia por qual razão é que as senhoras estavam sempre a aumentar os preços do peixe. Eu via como ele discutia animadamente com as senhoras do peixe e, não poucas vezes rejeitava a oferta e íamos noutros lados, dizendo que “o dinheiro de ganha com sacrifício e com o trabalho!”

No final das compras levou-se a caixa térmica ao carro e lhe paguei um pouco mais do que o que concordamos como preço. Daquele valor, deu a metade ao Mingo
Fiquei muito bem impressionado com o Beto porque me pareceu ser muito disciplinado e cortês com os seus clientes e, domina bem o ambiente em que trabalha: com os colegas e as senhoras do peixe tem uma linguagem de imposição, mas bem cuidada e, com os seus ‘clientes’ - mede bem as palavras. Eu próprio cresci entre o ghetto e o Bairro Operário e, portanto, sei bem do que se trata. É claro que mudaram as ‘posturas’ e as ‘atitudes.’

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Mas o sangue é sempre aquele: “...não somos ‘morna’ nem ‘bolo e leite’ e, não podem nos apanhar de bobera” - dirá o meu amigo Engenheiro Tchutchunay, do bairro operário!
Hoje voltei para lá, na praça do peixe. Mas antes de ir, liguei para o Beto para lhe dizer que estava a chegar lá na praça. Ele me confirmou que estava lá e que iria controlar a chegada do carro. Demos as voltas de sempre e depois ele procurou um lugar para se limpar o peixe. Arranjou uma cadeira de plástico para eu me acomodar.

Enquanto ele fazia o trabalho, sempre com o Mingo, fomos conversando e, acabei por saber que ele está nesse serviço há 2 anos, está com 30 anos de idade, tem uma esposa com a qual tem duas filhas que estudam num colégio e vive numa casa própria, situado num bairro da periferia. Fiquei ainda a saber que está a fazer esse trabalho porque foi despedido há 2 anos, por culpa da crise financeira, de uma empresa (que eu conheço bem) onde ele prestava serviço como motorista, com curso de condução defensiva. Me disse ainda que a sua carta extraviou-se e está à espera da segunda via da mesma faz mais de 1 ano, junto da DNVT.

No final de tudo, me aconselhou como tratar o peixe na arca etc etc.
Se nota que o Beto é mais um daqueles milhares de jovens líderes de grupos, com vontade e predisposição de trabalhar, mas lhe falta oportunidade e confiança para demonstrar, com liberdade, o que ele é realmente capaz de fazer com as potencialidades de que é dotado, coisa que não se mede necessariamente durante um colóquio/entrevista para trabalhar.

O Beto, a ser verdade no relato que me fez - e eu acredito - é mais um daqueles milhares de jovens que nós etiquetamos como “descartáveis” e, por isso mesmo, fora de quaisquer estratificação social criada pela sociologia da vida. Mas o pouco que ele me demonstrou foi o suficiente para acreditar que ele quer viver com dignidade e trabalho correto, ainda que fora de quaisquer tipo de consideração nos nossos esquemas mentais demasiado ‘anormais’.

Enfim, o Beto me fez lembrar o meu filho Jorge, que durante a sua curtíssima vida (apenas 27 anos de idade) trabalhou alternadamente como lotador de táxi ou como carregador no mercado, vítima do nosso egoísmo desmedido, por passarmos o tempo a ver toda uma floresta sem, porém, ter em conta as especificidades e a importância de cada árvore, que na verdade é o que deverá manter a subsistência da floresta como parte do ecossistema para a sobrevivência da ‘oikos’. Precisamos nos regenerar num processo de ecologia mental, para sermos mais humanos e considerarmos mais as pessoas... todas as pessoas!

Saiba mais sobre este assunto, clicando neste link https://youtu.be/dMOFxN0Ld8Y

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