ESTADO DE EMERGÊNCIA DA FOME COVIDAMENTE LUANDANDO

Não reconheço necessidade de tornar esta experiência público, por desde a infância entender que ajudar  e simplesmente um acto do sentido amplo de colaboração enquanto ser estagiário, passageiro e simples mortal, também encaminhado por experiências que me chegaram, algumas vividas ao suficiente para encerrar dúvida sobre a relatividade como uma das leis do Universo.
Sempre que posso desenvolvo acções de carácter humanitário e solidário.
Não sei porque este vai merecer destaque, nem pelo envolvimento, nem pela carga de emoções roubadas. Sei lá ... Talvez pela simplicidade.

Estamos a consumir os últimos minutos da manhã de quinta-feira quando o homem na casa dos 40 anos aborda-me com aflição após ter falhado a tentativa de convencer a colega em serviço que lhe teria dito que, no âmbito do cumprimento das medidas do Estado de emergência a rádio contava com menos de metade de funcionários  e os escalados trabalhavam na produção do jornal, já que faltavam minutos para às 12 horas, por isso não lhe seria possível falar aos microfones da rádio voz da sociedade, pelo menos naquele dia.

Ia eu dar uma escapadinha à farmácia, em mais uma tentativa de achar o charope para o Fábio Júnior que há dias procurava, quando uma voz tremula me atravessou os ouvidos dizendo que pretendia através das ondas hertzianas pedir comida para à família que há três dias (antes daquele encontro) alimentava-se de folhas de mandioca (kizaka), sem óleo.
Manifestamente destroçado possivelmente por ver frustrada a expectativa de não puder, literalmente, gritar socorro à fome e, deste modo tentar alcançar corações de gente solidaria, ou ter percebido que até aí sua preocupação não conseguiu abrandar minha necessidade de urgência.
(Diariamente pelo menos uma pessoa se desloca à rádio Despertar a procura de ajuda de vária ordem).

O filho da terra do Bago Vermelho constantemente perdia-se na fala titubeando palavras algumas desconexas, entre tantas, foi possível depreender a solicitação de uma moeda no valor de 100 kzs, que, segundo  garantiria o seu  regresso a procedência, no município de Cacuaco.
Ao léu a expressão facial daquele chefe de família que até já tinha sido militar não restou-me opção se não oferece-lo boleia sem sair da minha rota, a um ponto que lhe permitisse chegar à sua casa.
Em menos de 2 km  percorridos ao ponto que nos separava estava convencido de que por comida aquele homem era capaz de tudo, estava nos olhos.

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Lembrei-me que no intervalo entre o jornal que estava ao ar e o programa que se seguia podia introduzir o SOS (uma flexibilidade da programação em favor de preocupações daquela natureza), foi assim que decidi prometer ao senhor  que de regresso à rádio ele podia concretizar o objectivo gerador daquela situação toda, para tal bastava que aguardasse por mim .... mal termino de expor a ideia conheci o avivamento do homem que a instantes deitava lágrimas parecendo criança, subitamente opos-se a proposta, suplicando que não o deixasse ficar ali e que fazia questão de acompanhar-me à farmácia, pelo que anui. Ao estacionar até ao interior da farmácia várias vezes tentou protagonizar com zelo e prontidão combativa tarefas que eu achava completamente desnecessárias. Ao mesmo tempo entendia que eram formas possíveis que ele dispunha para assegurar o cumprimento da promessa e talvez  recompensa pelo que nada ainda tinha feito por ele.  
Os minutos seguintes foram de história e experiência de vida, contou-me que já estando na capital vendeu guardanapos na via pública e papel higiênicos, pilhas e mais outras coisas, um confisco que ele qualifica de grande perda por agentes da fiscalização e policias fizeram-no pensar em outra forma de sobrevivência. Antes da suspensão de grande parte das actividades socioeconomicas por consequência do Estado de emergência trabalhava na construção de casas no distrito do Zangos, como trabalhador eventual recebia por cada saco de cimento akz 15000.00, desta forma sustentava os filhos em idade escolar e a esposa que a qualquer momento podia lhe dar a alegria de ser pai pela quinta vez, sendo que estava grávida de 9 meses. Até os primeiros meses de gestação a mulher também contribuía para a renda familiar zungando chinelos. Contou ainda que neste dia do nosso encontro precisou andar à pé até a rádio (bairro Belo Monte-Cacuaco a Viana), o atalho não pode ter sido menos de 8 kms, o interrompi quando iniciava o relato sobre sua experiência militar ficando apenas por exibir o seu documento de desmobilizado que em seguida coloca cuidadosamente de volta à carteira talvez na esperança de vir ser recompensado por via da caixa social das FAA.
Já de regresso, certamente um pouco sob efeito das palavras que tinha consumido, decido passar na administração municipal de Viana propriamente na área social, tinha as portas encerradas, tinham mudado de endereço. De repente me apercebo da presença no local do administrador.
Prontamente manifestei interesse em falar com aquela entidade máxima do município, nas tentativas efectuadas foi-me dito que as qualidades cidadão e mero humano não eram suficientes para se chegar ao representante do poder local do Estado daquela parcela de Luanda.
Inconformado, ameacei sentar ou deitar ali no chão caso não fosse atendido. Algum tempo depois parecia valer a pena ter sido triado por mais de três senhores, um em cada momento diferente, nas 2 horas que aí ficamos. O homem senhor estava cada vez mais fraco, eu não sabia se era de fome ou desespero, enquanto isso eu tentava elaborar a próxima estratégia fora daí.
A seguir surge uma voz que orienta a nossa deslocação para um outro ponto da geografia vianense, no mesmo instante chegava uma doação que também seria conduzida ao nosso destino, fiquei a saber que iríamos ao centro de acolhimento de crianças e famílias vulneráveis ao contagio de Covid-19.
Ganhei esperança, sabia que lá estando ainda enfrentaria o desafio de convencer quem fosse a arranjar alguma coisa para o meu concidadão. Renasceram forças, estávamos quase, eu tinha adoptado o desafio para mim.
No momento tínhamos algo em comum, estamos os dois sem comer, obviamente por razões diferentes.

Continua ...

Por: Fábio Barros

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