Se não abandona-se a UNITA naquela altura, já estaria morto, porque Savimbi queria que eu assumisse a culpa das mortes de Tito Tchingunji e Wilson

A Ruptura com Savimbi (Parte 2)

*Ainda Wilson e Tito

Savimbi regressou dos Estados Unidos, onde, na altura, se avistou com altas personalidades. Quando veio, só ficou uma semana na Jamba, partindo longo para Luanda. De resto, durante esse tempo em que esteve na Jamba, dedicou-se especialmente a preparar a saída pra a capital do país.

Antes de partir para Luanda, manteve uma reunião restrita, em que estivemos presentes eu, o general Epalanga, Kamy, Aninhas, Begin, o velho Amós e poucos mais.

— Venho dos Estado Unidos — começou por nos dizer Savimbi—, e alguns congressistas americanos querem ver Tito e Wilson em Luanda, porque eu lhes disse que eles se encontravam no interior do país acolher dados junto das populações, já que Tito é secretário-geral-adjunto do partido e o Wilson é secretário para informação.

Fez-se um silêncio na sala onde decorria a reunião.

— Portanto, o Puna vai chefiar este grupo, para emitir uma declaração de que Tito e Wilson foram eliminados por alta traição à UNITA, a mando do ministro do Interior — continuou Savimbi.

Eu pensei rapidamente toda a repercussão que o caso ia tendo em todo mundo. Achei que valeria a pena proceder diferentemente. Reuni a comissão e elaborei a seguinte estratégia: como vinha aí o 11 de Novembro, simularíamos uma fuga deles da prisão, em direcção à Zâmbia, atravessando mesmo o rio Cuando. Alertaríamos todos os postos fronteiriços da evasão da cadeia de elementos contra-revolucionários altamente perigosos e pediríamos a todos para fazerem tudo para os capturar.

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Foi nessa altura que Kamy me disse para incluir na declaração não só os dois, como as suas famílias, em número de treze pessoas. Só naquele dia é que soube — na realidade- que as famílias também tinham sido mortas.

Como se verá no decorrer destas notas que deixo por aqui, com o objectivo de fazer luz sobre um período bem negro da nossa luta de libertação, Savimbi não aceitou a estratégia que eu ajuizei para justificar o desaparecimento dos camaradas. Ele queria, afinal, que eu assumisse pura e simplesmente a responsabilidade pelo desaparecimento daqueles dois dirigentes da UNITA.

E a minha forma de actuar deve ter-lhe desagradado, profundamente. Jonas Savimbi era, de facto, implacável. Quando qualquer decisão sua não fosse acatada, nos termos em que ele a gizava, era certo e sabido que o «prevaricador» ficava sempre na sua mira. Mesmo que não o dissesse, os dias começavam a ser contados para quem lhe desobedecesse... E esta atitude granjeou-lhe muitos inimigos. E o líder, com esta atitude, começava agora a irritar-me contra mim, que em muitos casos fui o seu braço direito, em muitas situações, mesmo melindrosas, que o partido viveu. A este propósito, comecei logo a adivinhar —ou a perceber, se quiserem- que o meu caminho dentro da UNITA estaria a chegar ao fim. É que a morte de Wilson é de Tito estava a causar engulhos a muita gente. Ele tinha dito como queria que se agisse. Eu, por mim, pensei que seria melhor doutra maneira. E isso não seria perdoado.

A esse propósito, recordo que o líder me disse para eu não ter receios, porque ele ganharia as (então) próximas eleições e a minha protecção estaria bem assegurada. Falava mesmo em sondagens que tinha em seu poder e que lhe davam a vitória nas eleições. Eram umas sondagens de qualidade mais do que duvidosa, sobretudo devido ao facto de terem sido feitas por quem não conhecia verdadeiramente Angola e que não tinham em conta muitas das «manigâncias de pensamento» que havia por toda a África.

Por mim, mesmo sem lhe dizer directamente que não acreditava, fiquei com muitas dúvidas. África, nesse aspecto de eleições e sistema de democracia, é se facto muito complicada. Vitória nas eleições? Até poderia ser, mas eu não acreditava que as sondagens fossem levadas a cabo cientificamente. Até porque em Angola não havia tradição de sondagens, e o povo estava pouco habituado a que lhe fizessem perguntas sobre eleições.

A partir daí, seria apenas uma questão de tempo, mas eu acabaria por ver que se a bateria sobre mim a astúcia do Mais Velho, transformada um pouco, também, numa onda de vingança.

*Desconsiderações & C.ª Lda.

A morte de Wilson e Tito e a forma como eu queria lidar com o problema, em oposição à forma como Savimbi «exigia», começaram, desde logo, a causar-me dissabores. Eram quase diárias as desconsiderações de toda a ordem em que me via envolvido. O importante, para algumas pessoas à volta de Savimbi, era mesmo desconsiderar o Puna! E disso faziam gala, inventando mil e uma formas de jogar com o que pensavam — e eu também ainda penso- que agradava a Savimbi. O Puna era, em muitos casos, bem. Incómodo...

Já em Luanda, Savimbi mandou, a 10 Novembro, chamar uma delegação da Jamba para assistir à inauguração da sede do partido na capital angolana. Entre os membros da delegação, figurava a minha mulher. Estranho. A verdade, porém, é que ela figurava, mas não eu... O meu nome não constava desta lista.

Passados três dias, Savimbi mandou-me chamar, dizendo que o engano tinha sido do operador de comunicações. Que ele não soube interpretar bem as ordens que verbalmente lhe dera. O que eu, naturalmente, não «engoli», uma vez que não era lógico tal engano. Para além disso, eu conhecia demasiadamente bem o velho guerrilheiro...

Ninguém me explicou o tom geral das «recriminações surdas», mas eu notava, desde logo, que elas tinham um destinatário, que era eu, e uma razão, que tinha que ver com a morte daqueles companheiros e com a forma como eu pretendia tratar o assunto. E eu queria, especialmente, que tudo pudesse parecer mais lógico e menos «gato escondido com rabo de fora». Penso que foi aqui que começou todo o drama que me fez sair da UNITA. Como se verá, talvez até eu me tenha salvado com a saída. De contrário, era bem capaz de não estar cá, hoje, para contar a história das histórias que se foram cozinhando, no decorrer dos anos, e que atiraram com muitos camaradas para fora da UNITA. Alguns até foram atirados, não apenas para fora das fileiras do partido, mas até apara fora do mundo em que viviam!

*"Mal Me Querem" — Autobiografia de Miguel N'Zau Puna.

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