Jonas Savimbi já desconfiava que Chivukuvuku é uma toupeira do MPLA, infiltrado na UNITA

*No Reino da desconfiança |

A desconfiança nunca deixou de dominar o processo. À menor contrariedade, as respectivas propagandas, sempre zelosas de mostrar serviço aos chefes, cruzavam acusações, desenterravam agravos, reavivam a memória dos crimes. Contra a UNITA, a eliminação dos dirigentes e a caça às bruxas; contra o MPLA, os horrores do 27 de Maio, a corrupção, a polícia política... E sempre as imputações mútuas pelos atrasos e crises do próprio processo em curso.

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Quem conhece a história do século XX sabe que nos partidos e movimentos com uma tradição totalitária, as instigações à desconfiança, à reserva mental e à instrumentalização de acordos e regras comuns superaram sempre os apelos à confiança, à transparência e ao jogo franco e directo. O MPLA e a UNITA tinham esta cultura, tanto pelas suas raízes ideológicas como por uma resistência endémica a ameaças de extermínio, reias ou imaginárias. E usavam estas conjunturas como meros pretextos de confronto ou instrumentos de defesa e contra-ataque. Os modos de ultrapassar estas situações só podem vir de uma conjunção de factores: árbitros externos poderosos e com meios para usar uma estratégia de stiks and carrots e diálogo ao mais alto nível, isto é, a sós, entre os chefes.

Ora, no processo angolano, nada disto acontecia ou nada disto aconteceu. As partes eram suficientemente autónomas e poderosas para sofrerem e aceitarem pressões externas. O MPLA já não tinha os irmãos mais velhos soviéticos: estava entregue a si próprio e aos seus recursos. O mesmo acontecia com a UNITA. Além disso, os amigos de uns e de outros estavam mais interessados em manter as respectivas posições de influência e em ajudar os seus associados a vencer do que em garantir que o processo corresse bem. A lógica era também a de confirmar e até de agudizar a desconfiança para manter a confiança e o ouvido atento do interlocutor: O que, de boa ou má fé, foi o que sucedeu.

Em Maio, aquietaram-se as sequelas do caso Puna-Toni: aproximavam-se as eleições e começara o recenseamento.

*Eu gosto muito de ti, Abel Chivukuvuku |

Por essa altura, em Lisboa, recebia algumas visitas que me iam fazendo o ponto da situação, entre elas o Abel Chivukuvuku. O Abel era — é — um dos quadros mais excepcionais da UNITA. Estivera na delegação em Lisboa e antes tinha estado no Zaire e nos Estados Unidos. Homem muito inteligente, bem parecido, com sentido de humor, corajoso e falando tão bem para um grupo de empresários como para os habitantes de um bairro periférico africano. Conheci-o e ficámos amigos. Nessa altura, quando me visitou em Lisboa, organizei-lhe uma série de encontros e ele contou-me a sua odisseia na sequência do caso Puna.

Quando da deserção Puna-Toni, Savimbi agarra na maioria dos seus quadros em Luanda e recambia tudo para Jamba. Para verificações. Muito habilmente, o MPLA, através dos tan-tans da bruma, lançara entre a UNITA a desinformação e semeara a suspeição: o caso Puna-Toni era apenas a ponta do iceberg e que outros dissidentes importantes, outras «toupeiras», estavam na calha. E, ainda mais habilmente, fizera constar, através de alguém da Segurança de Estado infiltrado na UNITA, que uma dessas toupeiras era nem mais nem menos que Abel Chivukuvuku, então um jovem quadro em ascensão vertiginosa, um dos meninos queridos do Chefe.

Uma vez na Jamba, num ambiente de cortar à faca — e em que a faca e o corte podiam não ser só uma simples fórmula de retórica— Chivukuvuku é chamado, à noite, à presença de Savimbi. Segue o diálogo que o Abel me contou, neste Maio de 1992, semanas depois da conversa com o Mais Velho, em que estavam os dois — Savimbi e ele— sozinhos em casa do Chefe.

Savimbi: Abel Chivukuvuku, eu gosto muito de ti. E eu, quando gosto muito de uma pessoa, acredito em tudo que essa pessoa me diz. Ela pode convencer-me do que quiser... Mas agora escuta: eu gosto muito de ti, mas há aí uns manos que estão convencidos que tu, Abel Chivukuvuku, tu vais-me agora dizer, a mim que sou o teu Presidente, o teu Chefe e que gosto muito de ti, que te considero como um filho, vais-me dizer a verdade, aqui, a sós. Abel Chivukuvuku, tu és uma toupeira do MPLA?

Chivukuvuku: Presidente, Mais Velho, vai-me fazer a justiça de considerar que, se eu for uma toupeira do MPLA, eu sou uma boa toupeira do MPLA. E por isso capaz de convencer o Presidente de que não sou uma toupeira do MPLA! Ainda por cima com o Presidente a gostar tanto de mim, como disse. Não, Presidente, eu não falo mais deste assunto. O Presidente e os mais velhos da Direcção do Partido discutam esse problema e decidam! Eu não digo mais nada sobre isto.

Savimbi: Eu gosto muito de ti, Abel Chivukuvuku, eu gosto muito de ti, podes ir embora descansado, que eu vou ficar por ti... Mas olha, há uns maninhos aí que sustentam que tu és uma toupeira do MPLA infiltrado na UNITA... Mas podes ir embora, que eu gosto muito de ti.

*"Jogos Africanos" - Jaime Nogueira Pinto

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