Sou filha de duas famílias tradicionais do MPLA, a família Neto e a família Webba. A minha adesão à UNITA aconteceu da forma mais natural que poderia acontecer. Depois de vários anos de lavagem cerebral, depois de tanta propaganda e mentiras sobre a UNITA, depois de perceber o que aconteceu em 1975 com os “Acordos de Alvor” e depois de ter perdido vários familiares no “27 de Maio”, decidi, que iria dar o meu contributo para que Angola se torne uma verdadeira democracia, trabalhando com os partidos políticos na oposição. Foi isso que fiz durante dois anos no “National Democratic Institute” (NDI). Foi através do NDI que tive os primeiros contactos com a direcção da UNITA. Aderi à UNITA depois de conhecer os seus Estatutos e documentos reitores. Este ano farei 10 anos de militância.
Valeu a pena esta aderência à UNITA?
Absolutamente! Todos os dias acordo e sinto que estou a lutar por uma causa justa, que se preocupa com os menos equipados e que coloca o cidadão angolano no centro das suas prioridades.
Como foi que a sua família reagiu à adesão à UNITA?
A minha falecida avó Josefa, matriarca dos Neto, foi a primeira a saber. Disse-lhe que estava a trabalhar com o presidente da UNITA e que estava a pensar seriamente em aderir ao partido. Ela, com aquele olhar sábio, disse-me: “Na minha barriga já saíram do MPLA, da FNLA e do PDA. Se agora sair uma da UNITA não há problema. Somos todos angolanos”. Com esta força foi possível aguentar as várias reações negativas, pois a minha avó tinha um ascendente muito forte sobre todos os seus filhos, irmãos da minha mãe, como o Alberto Neto e o Luís Neto Kiambata.
O seu tio, o nacionalista Luís Neto Kiambata, ficou chateado por esta sua opção política. Como é hoje a vossa relação?
Todos os meus familiares, no princípio, ficaram chateados. Mas como eu já era maior e vacinada, não podiam fazer mesmo nada, pois todos os argumentos que apresentavam sobre a UNITA, eu sabia que eram mentiras recorrentemente ditas pelos serviços de propaganda. A nossa relação é boa, desde que não se fale de política, pois estamos em lados claramente opostos. Ele participou da governação de (José) Eduardo dos Santos. Portanto, mesmo que não seja corrupto, tem a sua quota parte de responsabilidade naquilo que o País se transformou nos últimos 16 anos de paz.
É tida, por algumas pessoas, como sendo radical. Considera-se como tal?
Sou uma pessoa muito calma. O meu discurso é que é radical. O radicalismo advém do facto de não gostar de ser aldrabada. O meio político, por vezes, é de muita mentira, astúcia e meias verdades. Eu prefiro utilizar a verdade como forma de fazer política.
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Isso mesmo. O MPLA desde a sua fundação que é um conjunto de mentiras. O dia da sua fundação é uma mentira. O seu primeiro presidente é uma mentira. O seu herói infantil (Ngangula) é uma mentira. A maioria dos seus heróis foram mortos por eles próprios. Defendiam o marxismo-
leninismo, mas viviam como capitalistas, com as lojas dos dirigentes. Afirmam que “O Mais Importante é Resolver os Problemas do Povo”, mas, em 18 anos de paz, Angola continua a não ter água potável para mais de 70%da sua população, mas em igual período conseguimos criar mais de 4000 milionários. E muito mais poderia falar das mentiras do MPLA.
É verdade que essa postura em relação ao MPLA decorre do facto de os seus pais terem sido proscritos, marginalizados pelo partido no poder?
Os meus pais fazem parte da primeira leva de licenciados que regressou ao País, depois de 1975. O meu pai deu aulas de Criminologia e Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, até que em 1999 faleceu de uma malária cerebral (que poderia ser evitada, se os hospitais, na altura, tivessem recebido uma verba maior no seu orçamento). A minha mãe é docente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto desde 1981, lecionando a disciplina de Direito do Trabalho. Portanto, ambos trabalhavam e viviam com o fruto do seu suor, de modo digno e sem prejudicar ninguém. Se isso é ser proscrito e marginalizado, acho que foi virtuoso. Pois eles ensinaram-me os valores da honestidade, do trabalho, da verdade, da ética, para além dos princípios cristãos.
Há vozes que dão conta da existência de uma corrente que pretende induzir a alteração da Constituição para que se possa alargar o mando do Presidente João Lourenço…
Esta semana foi notícia nas Redes Sociais de que há esta intenção, a de se alterar a Constituição da República de Angola para permitir um terceiro mandato ao Presidente João Lourenço. Quem mexe na Constituição com tal propósito não é democrata, nem respeita o princípio republicano que proíbe a renovação de mandatos nos termos que se pretende. Há uma lógica em cada um dos sistemas de Governo e a lógica do sistema de Governo presidencial é permitir que o maior número de cidadãos possa ter o acesso a Mais Alta Magistratura do País, limitando para dois o número de mandatos.
É correcto dizer-se que o MPLA se desfez de José Eduardo dos Santos?
É correcto dizer que o MPLA quer dar a ideia aos angolanos que se desfez de José Eduardo dos Santos, para que os feitos nefastos dele não possam ser apontados a todos aqueles que foram seus colaboradores, a larga maioria continua no activo, a começar pelo casal presidencial e os principais colaboradores do Presidente João Lourenço. São exactamente as mesmas pessoas, com os mesmos
hábitos de governação.
O MPLA também vai desfazer-se de João Lourenço, depois do seu mandato?
Essa é a lógica dos partidos comunistas! Poderá até ser constituído também arguido, daí a intenção de um terceiro mandato, para não permitir que tal aconteça.
João Lourenço vai sair mal na “fotografia” depois do seu mandato?
Os mesmos que idolatravam José Eduardo dos Santos hoje idolatram João Lourenço. Na eventualidade do seu plano não ser implementado, não se alterar a Constituição, ele ficará numa posição vulnerável, perante todos aqueles que perseguiu. É exactamente por isso que o combate à corrupção afrouxou.
Mas a juventude que João Lourenço está a promover para o Comité Central do seu partido e para o Governo não o irá apoiar?
A maioria dos jovens “promovidos” por João Lourenço já estavam na governação de (José) Eduardo dos Santos. Vai funcionar a máxima “rei morto, rei posto. Viva o rei!”.
Acha que José Eduardo dos Santos vai acabar sozinho, triste e amargurado no exílio como foi com Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade?
Acho que disto ele não se livra. Mas penso que é uma comparação imerecida, pois José Eduardo dos Santos, em Angola, foi um ditador!
Jonas Savimbi diria que quem trabalha para o regime (do MPLA) acaba sempre assim, desiludido e abandonado…
O Dr. Jonas Savimbi foi um homem de muitas profecias e todas elas estão a efectivar-se.
Cite duas ou três delas?
Lembro-me de uma, quando eu tinha 15 anos, em que ele dizia que “se não se parar José Eduardo dos Santos, daqui a uns anos os filhos deles serão os donos de Angola”. A outra é: “Acredito que amanhã os angolanos hão-de entender o real motivo da minha luta. E neste dia, homens e mulheres da minha pátria, letrados ou não, hão-de caminhar em busca da verdadeira paz, em busca da verdadeira democracia. Terão a coragem de enfrentar o Regime. Porque não há na História da humanidade um Governo que pode oprimir um povo eternamente”. E a última tem que ver com o MPLA: “que este partido irá destruir-se sozinho”.
Que evidencias tem que lhe fazem dizer que João Loureço perdeu a guerra contra a corrupção e que os marimbondos estão a condicionar a sua governação?
Os maiores corruptos estão à solta ou no Palácio Presidencial, no Hemicíclo ou nos Tribunais. Enquanto não se credibilizar as instituições, enquanto não estiverem nas instituições cidadãos angolanos sérios, que não participaram do banquete da corrupção do MPLA de José Eduardo dos Santos, a luta contra a corrupção não passará de show-off. Existem muitos angolanos no MPLA que não são corruptos. É nestes que o Presidente João Lourenço devia apostar a sua confiança. Mas parece que ou ele não conhece os seus militantes ou então há um mecanismo que por causa do compadrio, tráfico de influência é utilizado para apresentar propostas ao Presidente da República.
Já agora como se explica que a Justiça esteja a ajustar contas com Isabel dos Santos (Dokolo) e não esteja a fazer com Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa” e Leopoldino Fragoso do Nascimento?
Dois pesos e duas medidas. Quando a Justiça tem dois pesos e duas medidas, ela não é justa. Os tribunais funcionam com ritos e procedimentos jurídicos, aplicando o Direito, mas não a Justiça. A Justiça deve ser para todos, de modo igual.
O director de gabinete do PR é apontado como sendo corrupto e houve evidencias sobre isso. Por que razão João Lourenço o mantém no cargo?
Isso só mesmo o Presidente João Lourenço pode responder. Podemos especular que há parentesco ou que tinha domínio de dossiês importantes da anterior Administração, ou ainda por competência e confiança política.
Que comentários se lhe oferece fazer em relação à afirmação do PGR segundo a qual não existem elementos para investigar antigos colaboradores de José Eduardo dos Santos, quando, na verdade, existem inúmeras denuncias?
Num Estado de direito democrático a PGR nem sequer precisa de denúncias para investigar. Os sinais exteriores de riqueza são suficientes para iniciar as investigações; por outro lado, o dinheiro que saiu do País foi, a larga maioria, através do sistema financeiro nacional. A PGR pode iniciar por ir atrás desses dinheiros. Outro instrumento que permite verificar se houve o cometimento de crimes de peculato, desvios ao erário, é o OGE e a Conta Geral do Estado. Foi com base nestes instrumentos que os titulares de cargos públicos com responsabilidades governativas tornaram-se milionários.
Há falta de vontade da parte da PGR?
Há falta de orientação superior. De acordo com a lei, o PGR recebe orientações do Presidente da República. Isso está errado e viola a Constituição, uma vez que o PGR é um Magistrado do Ministério Público.
É por isso que diz que o combate à corrupção fracassou?
Para além de outros motivos, sim. O facto de o Poder Judicial e o Ministério Público não terem liberdade, independência e imparcialidade para investigar põe em causa o combate à corrupção.
Isabel dos Santos (Dokolo) está a ser acossada pela Justiça pelo facto de ser ter abotoado com dinheiros públicos ou apenas por ter aventado a hipótese de candidatar-se às eleições presidenciais?
Por ambas as situações. Mas sobretudo por ser filha de (José) Eduardo dos Santos.
Como encara o facto de as filhas do ex-presidente manifestarem o interesse de apoiar ou aderir à UNITA sempre que falam sobre a situação do País político nas Redes Sociais?
Em democracia todos os cidadãos são livres de apoiarem quem quiserem, desde que seja de acordo
com as regras previamente estabelecidas. Há, no entanto, muitos cidadãos angolanos que estão a despertar do sono e vêem na UNITA patriotismo e coerência. Eu própria sou um exemplo disso.
Como é que a UNITA receberia Isabel dos Santos (Dokolo) e Welwetchia dos Santos?
Da mesma forma que me recebeu. Quem vem com vontade de transformar Angola numa verdadeira democracia, será sempre bem-vindo na UNITA. São muitos os angolanos que querem juntar-se à caravana da mudança. O país precisa de evoluir para uma alternância política. 45 anos depois e com 18 anos de paz, sem conseguir realizar os angolanos, é hora do MPLA descansar e deixar a UNITA governar.
A máfia tomou conta dos tribunais, a julgar pelo que se passa hoje nos tribunais Constitucional e Supremo?
Absolutamente! O modo como são escolhidos os Conselheiros nos Tribunais Superiores é exactamente o mesmo pelo qual são escolhidos os colaboradores do Presidente da República. As peças estão a ser colocadas de tal forma, para permitir a reeleição de João Lourenço, de modo fraudulento. Veja, quem escolheu o Presidente da CNE foi o Juiz Joel Leonardo, na altura indicado pelo Dr. Rui Ferreira para presidir o júri, sem sequer ser membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Posteriormente Joel Leonardo é escolhido para substituir o demissionário Dr. Rui Ferreira, do cargo de Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Supremo, e nessa qualidade envia uma informação mentirosa à Assembleia Nacional indicando que se podia dar posse ao Presidente da CNE, em virtude de não existirem mais nenhuns processos pendentes, o que não é verdade. No Tribunal Constitucional parece que agora pretendem interromper o mandato do Presidente, para colocar, diz-se a Conselheira Júlia Ferreira, que esteve até 2017 na CNE.
Como está a Liberdade de Imprensa e de Expressão em Angola?
Já se esteve pior. Mas ainda não somos considerados um País livre do ponto de vista das liberdades de Opinião, Informação, Expressão e de Imprensa. Os órgãos de Comunicação Social públicos e privados não cumprem o que está estabelecido na Constituição. Sempre que o Executivo se pronunciar, os partidos políticos com assento parlamentar deverão ter a mesma possibilidade. Uma das “Regras de Ouro do Jornalismo” é o direito ao contraditório. Quando os órgãos recorrem à
manipulação, meias verdades, contra os adversários de quem governa, esse País não pode ser considerado livre.
Era suposto estarmos noutro estágio na “Administração Lourenço?
No início houve uma grande expectativa, pois foi iniciado um processo de abertura nos órgãos de comunicação públicos. Mas com o decorrer do tempo e com a popularidade do Presidente a decair, recuamos nas liberdades.
Economicamente como está o País por estes dias?
Pior. Os principais produtos da cesta básica o seu preço aumentou. Desde 2017 que isso está a acontecer. Mas agora, por causa da pandemia da Covid 19, há especulação de preços. Foi com tristeza que ouvi a notícia de que as operadoras petrolíferas americanas vão deixar de operar em Angola. Isso é mau porque o Executivo vai querer carregar com carga fiscal as famílias angolanas que, desde 2014, estão a perder poder de comprar, pois como os seus salários não estão indexados ao dólar e como a moeda americana está desde então a subir, os salários são corroídos pela inflação.
E onde está o sector privado, que deveria ser o motor da Economia nacional?
Está paralisado, porque o Estado não paga as dívidas que tem para com alguns e os outros não conseguem as divisas nos bancos comerciais, apesar da liberalização por parte do BNA.
O País voltou a adoptar o Sistema de Economia centralizada?
Não! O Estado vai privatizar algumas empresas públicas. Concordo com o princípio. Todavia, como não se conseguiu quase nada do repatriamento de capitais, o Estado tem uma boa oportunidade para aferir a proveniência lícita do montante utilizado para a compra destas empresas. O Estado comprou através da Sonangol, parte da Unitel, por causa do diferendo com a Engenheira Isabel dos Santos.
Como e por quê diz que não se conseguiu “quase nada do repatriamento” de capitais quando o PR disse, depois uma audiência concedida aos bispos da CEAST, que houve este repatriamento e que brevemente daria a conhecer os montantes ao País e a sua aplicação?
Acha mesmo que se houvesse repatriamento o Executivo teria de aumentar a carga fiscal de 17% para 21%? Acha que se houvesse repatriamento de capitais, o Estado estaria neste momento de crise a solicitar a solidariedade dos cidadãos para acudir os mais desfavorecidos? Os montantes desviados do nosso erário permitiriam ao País sair da crise e fomentar a Agricultura, a Pecuária, a Silvicultura, a Pesca, a Educação e a Saúde.
O que pensa sobre o Estado de Emergência e a Covid-19 no País?
Acho que a medida de se aprovar o Estado de Emergência foi a mais acertada. E agora sabemos o porquê. Já havia risco de contágio comunitário, pois as condições sanitárias das nossas unidades hospitalares e clínicas não têm capacidade para suportar uma avalanche, em caso de existirem muitos cidadãos a recorrer a esses serviços. O facto de não terem sido tomadas medidas de prevenção nos voos dos dias 17, 18 e 19 colocou todas aquelas pessoas em risco. A Medicina não é minha especialidade, mas pelo que estou a acompanhar dos outros países, o Ministério da Saúde falhou ao não fazer os testes aos cidadãos que estavam em quarentena institucional e domiciliar. Não conseguimos perceber por que razão só agora é que está a ser feita a testagem dos cidadãos provenientes daqueles voos. Alguma coisa está a ser ocultada e isso não é bom.
Voltando à política. As eleições autárquicas vão ou não acontecer?
Isso depende da vontade política do MPLA, que na minha visão não tem.
A oposição já se esqueceu do episódio “juiz Manico”?
De modo nenhum. Estamos a acompanhar os processos que estão em Tribunal. Mas já vimos que não têm mesmo perfil para estar a frente de um órgão como a CNE, pois os seus primeiros actos foram nomear um parente e um membro do Comitê Central do MPLA para seu assessor.
Mas vai manter-se no cargo?
Isso só o Tribunal Supremo, onde está o Juiz que o escolheu, é que vai decidir.
Acredita nas decisões do Tribunal Supremo?
Vamos aguardar que as instituições cumpram a sua função. Enquanto cidadã tenho muita dificuldade em acreditar em decisões proferidas de modo político.
Até quando é que o Parlamento vai continuar a relacionar-se de forma vertical com o Executivo?
Até que Angola se torne um verdadeiro estado de direito democrático, onde a Constituição e a lei são respeitados e ninguém está acima da lei.
Fonte: Jornal O Kwanza
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