Vera Daves diz que faz parte de uma família com sensibilidade política e com vontade firme de ver Angola crescer. A ministra das Finanças afirmou, em entrevista ao Jornal de Angola, que é uma defensora da emancipação e afirmação da mulher, mas que não é feminista radical. Acredita que as pessoas devem ter acesso às mesmas oportunidades e devem afirmar-se pelo trabalho e pelo empenho, e não pelo género. Durante a conversa, a entrevistada assegurou que a máquina administrativa do Estado não tem capacidade para resolver o problema do desemprego, por ser pesada. Mas diz que o caminho possível "é incentivar o empreendedorismo".
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"Defendo a afirmação da mulher, mas não sou uma feminista radical"
A senhora é a primeira ministra das Finanças. Como encarou o convite para ocupar o lugar e o que pensou de seguida?
Primeiro, senti-me profundamente honrada. É um grande privilégio receber um convite com essa importância, dimensão e responsabilidade, não só pela função em si, mas pelo momento que estamos a viver, em que a gestão das finanças públicas encerra um conjunto de desafios. Senti-me honrada, mas também acusei o peso da responsabilidade e confesso que, nos dias que se seguiram, mal dormi a pensar no que seria, qual seria o impacto na minha vida pessoal e no que teria que fazer para honrar o voto de confiança que me foi depositado. Com uma consciência dupla, primeiro, não defraudar a confiança de quem apostou em mim, no caso o Titular do Poder Executivo, nomeando-me, e, por outra, sabendo que eu representava dois grupos, os jovens e as mulheres, e que estariam estes a olhar para mim com muita atenção, esperança e, certamente, a vibrar com as minhas vitórias e a sofrer com as minhas derrotas. Durmo e acordo a pensar nessa dupla responsabilidade.
Ao olhar para si, jovem, mulher, penso que sem a aludida história de proveniência de uma família política, que lições se podem tirar?
Bem, na história política, tenho a minha avó que foi militante do MPLA; a minha tia, que esteve na génese da criação da OMA; os meus avôs, que acolheram vários militantes que começaram a pensar na Independência, acolheram várias pessoas em sua casa, quando estiveram emigrados no Congo, uma delas Agostinho Neto. A minha tia trabalhou na Casa Civil do Presidente Agostinho Neto, a minha mãe tem militância, de modo que não é assim tudo descolado dessa realidade e sensibilidade política. Faço parte de uma família com sensibilidade política e com vontade firme de ver Angola a crescer e ver os angolanos com uma vida digna. Mas acredito que, independentemente do percurso político e da história política de cada família, temos todos nós que ter um compromisso firme em fazermos a nossa parte, para que tenhamos uma vida mais digna.
No Ministério das Finanças, seguramente, encontrou mais homens. A paridade, o mérito e a competência são mesmo os critérios para a indicação dos quadros?
Eu sou uma defensora bastante vibrante da meritocracia. Obviamente que defendo a emancipação, afirmação da mulher, mas não sou uma feminista radical. Acredito que as pessoas devem ter acesso às mesmas oportunidades e devem afirmar-se pelo trabalho e pelo empenho, e não pelo género. De modo que quem mostrar trabalho e empenho, independentemente do género, terá o seu espaço e o seu reconhecimento. Eu trato homens e mulheres com igualdade.
Diz-se que as mulheres governam como mãe e pai.
Ante o facto de no actual Governo existirem muitas mulheres, o país pode dormir um "sono tranquilo"?
Eu penso que todos nós, homens e mulheres, queremos garantir que quem nos nomeou durma um bom sono; não queremos que o Titular do Poder Executivo fique perturbado por existir alguma fragilidade no nosso trabalho, seja de homens ou mulheres. Há quem refira que a mulher é mais atenta aos detalhes e perfeccionista. Ao longo do meu percurso, já vi tudo. Cada um de nós deve dar o melhor de si pelo país, independentemente de sermos homens ou mulheres.
Como devíamos tirar vantagem da força e sentido de oportunidade da mulher Zungueira?
As mulheres têm um espírito empreendedor muito forte, são diligentes, perseverantes; não se deixam abater com facilidade. As características individuais estão lá, agora o que se tem de trabalhar é na capacitação, no método. Temos que ajudar a organizar os locais onde elas possam estar para exercer a sua actividade. Precisamos de ajudar com algumas competências e dar ideias de se estruturarem e se tirar partido dessas características pessoais, que são muito positivas, e serem optimizadas.
Como avalia o contributo da mulher angolana na economia nacional?
As mulheres angolanas são bravas e guerreiras. Quando achamos que elas já chegaram nos seus limites, conseguem reinventar-se e seguir em frente. É impressionante; é uma força interior que só pode vir do Alto; acredito que isso só pode vir de Deus. Mas também tenho consciência de que uma parte considerável destas guerreiras que engrossa a economia informal tem condições precárias de trabalho. Penso que o Executivo deve continuar a fazer todo o esforço para que a actividade económica seja normalizada e que estas mulheres se possam organizar em cooperativas e ter acesso às condições interessantes de algum tipo de financiamento, formação, capacitação, explorando o seu potencial, e vermos se elas podem exercer o seu papel com alguma dignidade. Parte-nos o coração ver uma mulher com quilos de carga à cabeça, às vezes com filhos ao sol; não é dignificante e muitas das vezes não é financeiramente recompensador. Chegam ao final do dia com pouco dinheiro, às vezes sem a mercadoria por constrangimentos de vária ordem. Então, temos que pôr todos a cabeça a pensar, para ver como este espírito empreendedor pode construir uma lógica mais formal, e não uma actividade tão precária.
O empreendedorismo tem sido um dos segmentos que está a ajudar a alavancar a economia. Que opinião tem da estratégia?
Penso que o empreendedorismo é uma das respostas para o salto que a nossa economia deve dar. Temos, definitivamente, que mostrar que o caminho é esse e que existem oportunidades, espaço de crescimento e realização profissional que vale por essa via junto dos nossos jovens, das pessoas que estão na economia informal. Geralmente, há a expectativa de que a melhor solução possível é ser funcionário público. Temos que desconstruir isso; temos que mostrar que existem muitas oportunidades aí, com potencial de lucro. Temos, no fundo, que sensibilizar para essa realidade e ajudar a fazer o caminho, não dando peixe, mas sim a cana de pesca. É isso que temos de ir fazendo. Estou em crer que os departamentos ministeriais têm as responsabilidades de levar a cabo esse tipo de programas, tal é o caso do Ministério de Administração Pública Trabalho e Segurança Social,
Ministério da Economia e Planeamento, que, entre outros, estão, certamente, a trabalhar nesta componente.
Está satisfeita com o número de mulheres na gestão das principais instituições do Estado?
Uma coisa boa! Eu não sinto que exista resistência à partida. Sinto que os homens angolanos gerem isso bem, pelo menos os colegas - os maridos não sei. Penso que estamos a fazer o nosso caminho, com serenidade, de forma sustentada. E os homens que têm poder de decisão são os primeiros a nos dar força e a nos apoiar e isso é muito bom. As coisas estão a decorrer com tranquilidade; não precisamos de forçar ou exigir quotas. Não é necessário isso, porque as coisas estão a correr com naturalidade; devemos continuar e apostar em nós mesmas, investir no nosso conhecimento, no compromisso com o trabalho e estar prontas para dar respostas aos desafios que nos são lançados. Se continuarmos a fazer isso, a aposta em nós vai continuar.
A jovem mulher é a maior franja da sociedade. Estando numa economia atrelada ao petróleo, o que devemos fazer para diminuir o desemprego nesta camada?
A máquina administrativa do Estado não tem capacidade para resolver o problema do desemprego. Entenda-se que já é uma máquina pesada, de modo que o caminho possível é incentivar o empreendedorismo, dando forças, criando iniciativas, melhorando o ambiente de negócios, incentivando o sector privado a fazer o seu papel e, por essa via, serem criados os postos de trabalho que tanto precisamos.
Um dia-a-dia alucinante
Como é que é o dia-a-dia de uma ministra das Finanças? Consegue conciliar a actividade de mãe, esposa e governante?
É alucinante, literalmente, porque é muita pressão; são muitas reuniões, emails, muitos documentos, muitas expectativas, depois ainda tem a família para gerir, marido e filhos. Há dias em que me apetece chorar... Há dias maus, mas, também, há dias recompensadores, como tudo na vida. Deus tem-me capacitado.
Quais são os grandes desafios que pensa cumprir, uma vez que está à frente de num dos mais
importantes departamentos ministeriais?
Consolidação fiscal, por meio da optimização da arrecadação de receitas fiscais, alargamento da base tributária, pela via de termos a certeza de que a despesa que estamos a executar atinge os angolanos de forma efectiva. Estou sempre a falar da "qualidade da despesa" e acho que é a palavra que mais repeti desde que tomei posse. Mas não é à toa. Acredito que, se conseguirmos que a despesa seja executada com qualidade e se assegurarmos que não há vazamentos no circuito de execução da despesa, teremos os serviços e os bens públicos a serem fornecidos em quantidade e qualidade que os angolanos precisam e merecem. O segundo é contribuir para a retoma do crescimento. Não é uma missão que eu possa fazer sozinha, naturalmente; cada departamento ministerial tem a sua responsabilidade, mas naquilo que for responsabilidade do Ministério das Finanças, quero fazer o melhor possível para que possamos ver Angola a sair de anos consecutivos de crescimento negativo e finalmente entrar em terreno positivo.
Que palavra deixa para as mulheres? Estamos a comemorar mais um Dia 8 de Março?
Que não aceitem rótulos de que tipo for, seja da raça, género, padrão de beleza, forma de vestir, de pensar, de crenças. Olhem para si mesmas, vejam aquilo em que acreditam, ter a certeza que aquilo em que acreditam não viola qualquer lei, nem ofende o limite dos outros; defendam e batam-se por isso até ao fim.
Vera Daves de Sousa
Filhos tem?
Tenho dois filhos
Onde passa as férias?
(Risos) ... Tenho uma mãe com condição de saúde que inspira cuidados e, infelizmente, por mais que eu gostasse de conhecer vários países do mundo, aproveito todas as oportunidades e todos os tempos livres para visitar e estar com ela, uma vez que está impossibilitada de vir para Angola, pelo menos para já. Sempre que tenho o tempo livre é com ela que estou.
Onde nasceu?
Em Luanda, na maternidade Lucrécia Paim.
Que idade tem?
Tenho 36 anos, completo 37 dia 18 de Maio
A província que mais gosta?
Eu gosto de Angola. Cada província tem o seu encanto e seria injusto escolher uma. Gosto do meu país! Já tive oportunidade de estudar fora, até bolsa de estudo me ofereceram, tinha 12 anos na altura. Chorei como se tivesse quase a ser assassinada, porque não gostava de lá estar, com todo respeito para com o país, pois tratavam me razoavelmente bem. Tive acesso a um ensino bom, fiquei por um ano, foi muito bom para o meu percurso, mas só queria estar cá. Os amigos gozavam comigo, "lá não tem isso, cá tem isso", mas eu dizia: "eu gosto das pessoas, da atmosfera e gosto de saber que algum dia, de alguma forma, vou ajudar a resolver estes desafios que vocês estão a falar". Tinha 12 anos na altura.
Pratica algum tipo de desporto?
(Risos)... Sim! O ideal seria praticar com regularidade, mas não consigo, sou apreciadora de Yoga e Pilates.
Sabe cozinhar?
Sim e muito bem, modéstia à parte. Mas aprendi depois de casada e o meu marido teve de comer umas pedras no início. Mas depois aprendi sozinha no YouTube. Foi uma experiência engraçada, porque me desafiei. Eu disse: "estou cansada de dar pedras nesse homem". Fui me desafiando, testando e hoje todo mundo elogia os meus cozinhados.
Prato preferido?
Eu gosto de comida, tudo que leve banana-pão. Sou apaixonada por banana-pão, feijão, um bom peixe grelhado. Em suma, gosto de comida.
Sabe dançar?
Gosto muito de dançar. Vou contar-lhe uma história: quando fui nomeada secretária de Estado, ligaram-me vários amigos para dar os parabéns. Mas dois deles, com quem tenho relação mais
intima, a primeira coisa que me disseram foi: "Vera, assim estás terminantemente proibida de fazer o que costumas a fazer. A partir de hoje, acabou, és figura pública, já não podes fazer aquilo" ... Porque sou do estilo chego numa festa fico no meio da roda e não saio até ao fim... Desde que fui proibida, estou a cumprir à risca a recomendação e contenho-me. Até o Kuduro, de que gosto tanto, já não danço; não sei os "toques" novos..
Saiba mais sobre este assunto, clicando neste link
https://youtu.be/nWp9XP6G7Sw
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