A propriedade que deu origem à produtora Colinas do Douro foi comprada em 2008 por uma holding que tinha "Kopelipa" na administração. Desde 2010 é gerida pelo sobrinho do general angolano.
São quase 500 hectares na sub-região do Douro Superior, a dois quilómetros da Quinta da Leda, atual berço do Barca Velha, vinho de mesa mais caro do país, e foram comprados “praticamente de graça”, nas palavras de quem os vendeu.
Falamos da Colinas do Douro, propriedade composta por quatro quintas sem delimitação física, uma recente produtora de vinhos daquela sub-região. Apesar da primeira colheita lançada no mercado datar de 2015, a apresentação do projeto aconteceu apenas a 1 de abril de 2019, num almoço em Lisboa com Diogo Mexia, diretor do projeto, e Rui Lopes, coordenador de enologia. Só então a empresa duriense decidiu apostar na comunicação. O que seria apenas o lançamento de uma “nova” marca de vinhos acabaria por ganhar outro ponto de interesse — a Colinas do Douro é gerida desde o início da década (e mais ativamente desde 2014) por Kelson Giovetti, sobrinho do general angolano Hélder Vieira Dias Júnior, também conhecido pela alcunha “Kopelipa”.
O general foi Chefe da Casa Militar do anterior presidente da república de Angola, José Eduardo dos Santos, e em Portugal chegou a ser investigado por branqueamento de capitais, num processo entretanto arquivado pelo DCIAP. Confrontado posteriormente por telefone pelo Observador pelo facto desta ligação nunca ter sido noticiada, Kelson foi perentório: “O meu o tio não tem nada a ver com o assunto desde 2013-2014″. Mas o facto é que o vínculo familiar nunca foi abordado, nem durante o almoço com o Observador, nem quando o projeto foi inicialmente comunicado. E já tinham surgido notícias de que o verdadeiro dono seria mesmo “Kopelipa”.
Rumo ao Douro
A propriedade que hoje se apresenta como Colinas do Douro foi adquirida em 2008 a Celso Madeira, gerente da Casa Agrícola Roboredo Madeira (CARM), produtora de vinhos e azeites, por cerca de 1,5 milhões de euros, assegura Kelson Giovetti. Em 2011, o Correio da Manhã escrevia que Celso Madeira “vendeu” ao general Hélder Vieira Dias “duas propriedades no Douro — as Quintas da Serra e da Pedra Cavada”. À data, Celso Madeira admitiu ter negociado “com perfeita franqueza”: “Eles fizeram uma belíssima compra e eu uma venda razoável. Vendi por um milhão de euros, mas foi praticamente de graça no sentido em que se localizam no Douro Superior, onde estão os terrenos com maior aptidão. Podem sair dali dos melhores vinhos do mundo”. O Observador tentou, sem sucesso, chegar à fala com Celso Madeira.
As quatro propriedades contíguas que constituem a Colinas do Douro estão distribuídas pela Quinta da Serra, em Escalhão, no concelho de Figueira Castelo Rodrigo, e por Almendra, em Vila Nova de Foz Côa, segundo um artigo da revista Visão de 2008, intitulado “Os vinhos do general”.
O investimento para comprar a Colinas do Douro foi assegurado “na íntegra” pelo grupo World Wide Capital SGPS, S.A (WWC,holding com sede em Lisboa), explica Kelson Giovetti ao Observador — enquanto a WWC detém 90% da Colinas do Douro, o luso-angolano que gere o projeto detém os outros 10% “porque o proprietário [da WWC] assim o entendeu”.
Mas à data da compra do terreno no Douro Superior, a gestora de participações sociais WWC tinha Manuel Hélder Vieira Dias Júnior como seu administrador, segundo a Visão. As quatro propriedades contíguas ficaram registadas em nome da imobiliária Superfície Vertical, detida pela WWC, que passou a designar-se Colinas do Douro – Imobiliária Lda. a 24 de abril de 2009, segundo dados públicos consultados pelo Observador. O projeto de fusão das quatro quintas com a Colinas do Douro – Sociedade Agrícola Lda. só acontece em 2017 (neste projeto de fusão as quintas surgem todas como tendo sede na Quinta da Serra).
Em 2011, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior — que até 2017 foi um dos homens fortes do regime angolano — ainda constava aliás no conselho de administração da WWC, de acordo com um ato societário disponível no Portal da Justiça. Só em novembro de 2012 renunciou ao respetivo cargo. Kelson Giovetti, que partilha o apelido com a mulher de “Kopelipa”, Luísa de Fátima Giovetty, diz ser agora o único responsável pelo projeto.
Antes da Colinas do Douro, o engenheiro formado em gestão e administração pública estagiou no banco BIG — da qual a WWC é acionista — e mais tarde tornou-se responsável por uma “empresa de família”, a Wide Services, inserida na WWC. Atualmente, Giovetti, que vive em Portugal há 23 anos, acumula a gestão da Wide Services e a da Colinas do Douro.
100 hectares de vinha e adega de Souto de Moura
Mais de 10 anos depois, a Colinas do Douro tem 100 hectares de vinha nova, plantada entre 2009 e 2010, e seis de “vinhas velhas”, com 40 anos, anteriores à compra da propriedade. Uma adega de design com a assinatura de Eduardo Souto de Moura está em construção, prevendo-se que fique concluída no final deste ano. Ao investimento de cerca de 1,5 milhões de euros da compra da propriedade somam-se outros 3 milhões para plantar vinha nova e5,5 milhões para a adega.
Construir a adega de design no Douro Superior não foi tarefa fácil. Diogo Mexia, diretor do projeto, refere-se a uma “obra faraónica”, devido aos difíceis acessos. “Dizia-se a dada altura que todas as máquinas do Douro estavam na nossa quinta, enfiadas na Colinas do Douro”, conta ao Observador. A adega vai ocupar 3.500 metros quadrados — embora a área envolvente, acessos incluídos, corresponda a 5 mil metros quadrados — e ter capacidade para armazenar todo o vinho ali produzido. A estrutura terá apenas uma janela de luz, situada na sala de provas, voltada para a vinha.
Se no ano passado muita uva foi vendida porque não havia espaço para trabalhá-la na adega alugada, a situação deverá mudar drasticamente já em 2019, primeira colheita a ser vindimada na adega de design. Por enquanto a produção anual ronda as 300 mil garrafas, mas o plano é atingir um milhão em 2020, segundo consta no comunicado de imprensa disponibilizado ao Observador. Cerca de 40% da produção destina-se a exportação (Angola incluída), sendo que a restante percentagem é para ser consumida no mercado interno.
“A adega vai ter uma capacidade de vinificação de um milhão e meio [de litros]. Isso permite-me ficar com tudo em casa, não tenho de vender nada a ninguém, nem desperdiço matéria-prima. Nunca poderia fazer uma volumetria de adega que não me permitisse vinificar aquilo que tenho de área de vinha. Era tonto. A adega está dimensionada para levar aquela área de vinha à ‘red line'”, continua Diogo Mexia. A adega, cujo programa demorou um ano a fazer, foi pensada ao contrário, isto é, a técnica prevaleceu sobre a arquitetura, muito embora este continue a ser um projeto de design que se pretende integrado no ambiente em redor. De referir que o projeto Colinas do Douro aderiu à plataforma europeia Business & Biodiversity (iniciativa lançada pela Presidência da União Europeia, em 2007, “cujo principal objetivo foi evidenciar a relação entre a atividade das empresas e a biodiversidade”).
Quinta do Xisto, Quinta da Extrema, Quinta do Gavião e Quinta do Mosto apenas existem fiscalmente, nas cadernetas das finanças. As quintas que compõem a Colinas do Douro são impercetíveis a olho nu. Fazem parte do Douro Superior, uma das três sub-regiões do Douro, e integram o Parque Natural do Douro Internacional. De acordo com o IVDP, existem 3.241 viticultores em atividade no Douro Superior distribuídos por 9.903 hectares de vinha plantada(ao todo, a sub-região alonga-se por 110 mil hectares). A Colinas do Douro tem, feitas as contas, 1,07% das vinhas do Douro Superior. As produtoras CARM e Quinta da Leda, atual berço do icónico Barca Velha, são suas vizinhas.
Nuno Magalhães, professor emérito da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), ficou responsável pelo projeto da vinha. O trabalho complexo “dada a dimensão” não se alongou além da centena de hectares, uma vez que, até ao momento, “não há permissão” do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) para plantar nem mais um hectare. “Antes de serem adquiridas pela Colinas do Douro, eram quatro quintas separadas na posse do Celso Madeira, da CARM. As quintas não tinham nada”, assegura Diogo Mexia.
A equipa e os vinhos do Douro
Diogo Mexia, engenheiro agrónomo, foi a primeira pessoa que Kelson Giovetti chamou para a Colinas do Douro. Ao diretor do projeto coube trazer os enólogos Jorge Rosa Santos, diretor de produção e enologia, e Rui Lopes, coordenador de enologia. Jorge Rosa Santos tem quatro irmãos, incluindo o arquiteto Ricardo Rosa Santos, que trabalha com Souto de Moura há 20 anos — os dois estão encarregues do projeto da adega de design, a qual, depois de concluída, estará enterrada na terra a três metros e meio de profundidade.
As quatro quintas contíguas da Colinas do Douro têm a particularidade de serem dotadas de dois terroirs diferentes. Grandes pedras de granito — solo que confere acidez aos vinhos, dizem os enólogos do projeto — moram lado a lado com o xisto tipicamente duriense. À cota de 640 metros, a propriedade está na transição entre os terrenos de granito da Beira Alta e os socalcos de xisto do Douro.
A produção de vinho é integrada e entre as principais castas autóctones destacam-se a Touriga Nacional, a Touriga Franca, o Tinto Cão e a Tinta Roriz, nos tintos, e o Rabigato e o Viosinho nos brancos. A primeira colheita produzida data de 2015, com o lançamento, um ano depois, dos rótulos Colinas do Douro (entrada de gama composta por brancos, tintos e um colheita tardia). A marca Quinta da Extrema, que diz respeito ao topo de gama do portefólio vínico da empresa, ainda não fez um ano no mercado.
Os vinhos têm recebido distinções nacionais e internacionais — a título de exemplo, a revista norte-americana Wine Enthusiast deu mais de 90 pontos a alguns dos seus rótulos, incluindo os Colinas do Douro reserva branco e tinto, ambos de 2015, e o Barquinha Reserva tinto 2015 — marca originalmente registada em julho de 2012 que continua a existir.
Ao Observador, Kelson Giovetti diz que o “objetivo inicial [da Colinas do Douro] era fazer um vinho parecido com o Barca Velha”, apesar de assumir, mais tarde na conversa, que não tenciona fazer concorrência ao rótulo em particular. Giovetti diz que um dia quer fazer “um vinho de topo” e contribuir para a valorização do vinho português. “Considero que o nosso vinho acaba por ter tanta ou mais qualidade como os outros vinhos do mundo.” Observador
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