Hospital Geral de Luanda pagava 1 milhão e 200 mil KZ para alguer de uma ambulância que nunca existiu a Hegino Carneiro e no seu sócio Jose Chiva

José Chibás, médico cubano, é protagonista de um complexo esquema de roubo de milhões ao sistema de saúde angolano. Orquestrado e protegido pelo general Higino Carneiro e pela sua poderosa rede de influências, Chibás nem parece preocupar-se muito em esconder a sua actividade criminosa. Afinal, há indícios claros do crime, mas nem estes são suficientes para que a justiça vá atrás dele.
por RAFAEL MARQUES DE MORAIS

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Em 2016, enquanto o surto de febre amarela ceifava diariamente dezenas de vidas em Luanda, no governo provincial via a tragédia como mais uma oportunidade para saquear o Estado.

O Maka Angola revela como.

José Antonio Chibás Vinent, médico de nacionalidade cubana e assessor do então governador provincial, general Higino Francisco Lopes Carneiro, é a peça principal no esquema de vários saques na saúde de Luanda, nomeadamente de três milhões e 500 mil euros, que ora se explica. Um ponto prévio: o referido médico ignorou as chamadas e mensagens do Maka Angola para relatar a sua versão dos factos aqui descritos.

Comecemos antes por um golpe mais baixo. A 9 de Maio de 2016, José Chibás, como é conhecido, negociou o aluguer de uma ambulância ao Hospital Geral de Luanda, por mais de um milhão e 200 mil kwanzas mensais. O director do hospital, Carlos Zeca, é amigo pessoal de Chibás e a este deve a sua nomeação para o cargo, na altura em que o médico cubano era a eminência parda da saúde em Luanda, conforme se queixam alguns responsáveis da saúde.

Fontes hospitalares indicam que um funcionário de Chibás, Amílcar Santos, entregou e recolheu a ambulância passados dois meses. Este Amílcar Santos, contam, era o pivô dos esquemas de Chibás na saúde de Luanda.

Entretanto, o médico cubano continuou a emitir facturas e a receber pelo aluguer fictício de duas ambulâncias, através da sua empresa pessoal, o Consultório de Atendimento Médico Domiciliar, Lda., criado em 2010.

A 5 de Agosto de 2016, a Direcção Nacional de Medicamentos, do Ministério da Saúde, emitiu a Declaração 383/016, concedendo à empresa Caridade – Depósito de Medicamentos, Lda. autorização para o exercício da actividade farmacêutica.

Ora, quem representava esta empresa era o conhecido médico pessoal de Higino Carneiro, José Chibás. Há um detalhe extraordinário de fraude, falsificação, idade, naturalidade e nacionalidade na referida declaração, assinada pela então directora nacional da DNME, Katiza Mhula Mangueira.

No processo, José Antonio Chibás Vinent apresenta-se como tendo 63 anos de idade, sendo natural do município da Gabela, província do Kwanza-Sul, de nacionalidade angolana e titular do bilhete de identidade n.º 0005182A09, emitido pelo Arquivo Nacional de Identificação em 9 de Setembro de 2014.

Porém, nesse mesmo dia, 9 de Setembro de 2014, o Serviço de Migração e Estrangeiros emitiu, com o número devidamente identificado por este portal, a autorização de residência de José Antonio Chibás Vinent, nascido a 17 de Janeiro de 1958 (56 anos na altura), natural de Guantánamo, de nacionalidade cubana.

Os dados do passaporte cubano de José Chibás coincidem com os constantes do seu cartão de residência. O seu passaporte foi emitido a 17 de Julho de 2014, dois meses antes da sua “reencarnação” na Gabela.

Portanto, como diria Pepetela, temos aqui um cidadão nascido em dois locais distintos, na Gabela e em Guantánamo, em datas diferentes, no que aparenta ser um mistério da reencarnação ou um simples e grosseiro acto de falsificação de documentos.

QUAL CARIDADE?

Prosseguindo, a Caridade – Depósito de Medicamentos, Lda. apresentava em toda a sua documentação oficial o mesmo Número de Identificação Fiscal (NIF) que a empresa Caridade – Serviços Médicos e Farmacêuticos, Lda., criada em 2000, por Ana Maria Isaac, esposa do general Higino Carneiro. A 4 de Janeiro de 2001, na qualidade de presidente do conselho de administração da Caridade, Ana Maria Isaac nomeou José Antonio Chibás Vinent como director-geral da Clínica Caridade, cargo que exerce até à data presente.

A 28 de Julho de 2016, na mesma altura em que era assessor oficial do governador Higino Carneiro, José Antonio Chibás Vinent solicitou ao director provincial do Comércio a renovação do alvará comercial da Caridade – Serviços Médicos e Farmacêuticos, Lda., na qualidade de director-geral desta empresa. No mesmo dia, também pediu a renovação de licença de importação de medicamentos, material gastável e equipamentos hospitalares.

Meses antes, a 17 de Março de 2016, a Clínica Caridade, parte do grupo Cabuta, pertencente a Higino Carneiro e dirigida por José Chibás, recebeu uma factura pró-forma de uma empresa portuguesa, Organizações Hamagás (Atlantic Pharma – Portugal). A referida factura discriminava as quantidades e os preços de material gastável, totalizando o valor de três milhões de euros. No mesmo dia, esta empresa, verificada online como fazendo parte do Grupo Tecnimede https://www.tecnimede.com/pt/producao/atlantic-pharma/contactos, emitiu uma outra factura pró-forma, no valor de 500 mil euros, em materiais gastáveis, para o Consultório de Atendimento Médico Domiciliar, Lda. Nada mais, nada menos do que a empresa de Chibás.

Há alguns indícios muitos claros que levantam suspeitas nestas facturas. “São - Quientos mil euro”, refere por extenso uma delas. “São – tres milhoes de euro”, diz outra. Escreve-se “a transporte” no lugar de “a transportar”, em referência aos valores que continuam na página seguinte.

Ora, estas facturas são falsas. As originais serviram tão somente como referência para a emissão de notas de cobrança ao Gabinete Provincial de Saúde (GPS). Conforme dados na posse deste portal, as facturas foram falsificadas por Heraclito Emanuel Teixeira D’Alva, irmão da então directora do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP) do Governo Provincial de Luanda, Bernardeth Guimarães Teixeira D’Alva Rodrigues. A esta cabia as autorizações de pagamentos, sob orientação do general Higino Carneiro. Bernardeth Rodrigues também foi directora do GEP no Kuando-Kubango, durante o governo do general Higino Carneiro, entre 2012 e 2016.

Depois da falsificação de Heraclito D’Alva, o GPS pagou as facturas na totalidade. Entretanto, não houve entrega sequer de uma seringa.

Fonte fidedigna do Governo Provincial de Luanda garante que o esquema não teria sido possível sem a cumplicidade da então directora do GPS de Luanda, a médica Rosa Bessa de Campos.

Através do Processo n.º 1545/2016, Rosa Bessa de Campos emitiu, a 5 de Agosto de 2016, um certificado de habitabilidade para a Caridade – Depósito de Medicamentos, Lda., habilitando-a a exercer serviços de farmácia. As referidas instalações tinham servido antes para o armazenamento de café da fazenda Cabuta, pertencente ao general Higino Carneiro.

“O Chibás entregava cheques em branco à Dra. Rosa Bessa de Campos, para que esta colocasse o valor acordado e fizesse os levantamentos sem gerar suspeitas. Era assim que ela era corrompida para facilitar as operações”, revela a fonte do Maka Angola.

Por sua vez, Heraclito D’Alva também assumia o duplo papel de adjunto de Chibás no Depósito de Medicamentos e no Complexo de Frios do Kicolo “Caridade”, como garantia de recebimento da parte que cabia à sua irmã no esquema.

CHIBÁS E O FÍGADO DE BÚFALO

Usando dos poderes que lhe foram conferidos pelo governador-general Higino Carneiro, Chibás geriu ainda uma outra empresa fictícia dentro do Grupo Caridade, o Complexo de Frios do Kicolo “Caridade”, que apresenta o mesmo NIF que a Caridade – Serviços Médicos e Farmacêuticos, Lda.

Vejamos: a 12 de Outubro de 2016, Chibás solicitou ao ministro do Comércio o montante de um milhão e 500 mil dólares, através do Banco Keve (que também pertence a Higino Carneiro), para aquisição de carne e fígado de búfalo, rabo de boi, coxas, asas, moelas e peito de frango sem pele.

Em 2017, Chibás prosseguiu a sua actividade de saque do Hospital Geral de Luanda e da Direcção Provincial de Saúde, através da venda fictícia de medicamentos e até da prestação de serviços de mecânica. Teve várias facturas pagas, em nome da Caridade – Depósito de Medicamentos, Lda., por medicamentos que nunca foram entregues. A 18 de Agosto de 2017, cobrou (factura CDMK-F/00131/17) cerca de quatro milhões de kwanzas à Direcção Provincial de Saúde de Luanda, respeitantes à venda de seringas, luvas de exames e iodo. O Maka Angola entrevistou funcionários ligados aos esquemas que garantem não ter sido entregue sequer uma seringa, apesar de os fundos terem sido pagos.

O Consultório de Atendimento Médico Domiciliar, Lda. (CAMD) de José Chibás transformou-se também em oficina fictícia de reparação de automóveis e recebeu vários pagamentos sem ter prestado quaisquer serviços. Por exemplo, José Chibás emitiu a factura CAMD – F/0881/17, a 10 de Agosto de 2017, cobrando ao Hospital Geral de Luanda pela reparação e manutenção de uma viatura Toyota Land Cruiser. Recebeu um total de 326 mil kwanzas pela suposta mudança de filtros de óleo, ar condicionado e gasóleo, mudança de calços, correia de alternador, maxila de travões e óleo. Já a 28 de Setembro do mesmo ano, Chibás foi aos cofres do hospital buscar mais um milhão e 270 mil kwanzas pela reparação fictícia de um Toyota Land Cruiser, que incluiu também “serviço de carpintaria” ao veículo.

Felizmente para este protegido de Higino Carneiro, o sistema judicial em Angola parece perdido nos labirintos da política nacional, e por enquanto ele bem pode continuar a cantar em liberdade, fazendo coro com os seus cúmplices angolanos.

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