O povo está saturado, com o estado de calamidade social e já não tem
medo das balas. E não o tem, mesmo tendo consciência de que as balas das
armas da Polícia Nacional e das Forças Armadas matam mesmo. Nos
desalojamentos forçados, nos esbulhos violentos, da Boavista à Chicala e
da Samba aos Zangos, os exemplos estão à mão de semear.
A cada
reivindicação legítima, assente na Constituição e na lei, mesmo
“jessianas” (de José Eduardo dos Santos), a resposta vem com uma
violência extrema, na ponta do fuzil, que dispara na inocência do
cidadão. E as tropas ditatoriais, indiferentes ao medo apenas disparam.
Apenas matam. Assassinam, cobardemente, por medo da voz popular. É um
regime que assenta o boom do crescimento, nas vozes que elimina,
assassinando ou enclausurando, nas suas fedorentas masmorras.
Os
populares que estão confinados há cerca de 35 anos, nas tendas no Zango
3, saíram hoje à rua tendo na mente, que morrer não é só estar
estatelado no chão, ou na boca de um jacaré, assim sendo, de nada vale a
cobardia de continuarem resignados a tudo e todos, vivendo em situações
deploráveis. Foi assim que pensou e agiu, numa manifestação espontânea,
que levou muitas famílias, algumas partilham uma mesma tenda, a virem
para rua solicitar a João Lourenço para deixar de fazer novas promessas e
resolver, o seu partido e o governo, as velhas promessas.
“Nós
desde que saímos da Boavista ainda estamos aqui e na altura das eleições
sempre nos prometem que o futuro será melhor, mas afinal, nós estamos a
morrer no passado”, disse ao F8, Joaquim, para quem “chega de cinismo e
falem a verdade ao povo, pois nós estamos cansados, chegam a viver duas
famílias, numa tenda, que estão completamente rasgadas”.
As
autoridades foram surpreendidas com a manifestação popular que
interditou uma das vias principais do Zango, com a queima de pneus, na
reivindicação de casas prometidas, por destruição das suas nas zonas das
barrocas da Boavista.
“Nós não queremos confusão, apenas reclamar o
nosso direito e se queimamos pneus é para chamar a atenção do governo,
que aqui, nas tendas colocaram pessoas, não animais. Sim, porque os cães
do Zé Eduardo, do João Lourenço, do Higino Carneiro e do Kopelipa vivem
melhor do que nós, com direito a veterinário, ração importada, viagens
internacionais, etc.. Mais não esquecer que os do Kundi Pahiama até têm
direito a carne não congelada de primeira que sai do Lubango para
Luanda, todas semanas, quando nós não temos sequer dinheiro para
alimentar os nossos filhos, levá-los a uma boa escola ou hospital”,
reivindicou Eugénio Kamussunda.
Obviamente que depois de algumas
horas e da presença musculada da Polícia Nacional do MPLA, os populares
decidiram recolher-se, mas prometeram não baixar as armas. “Nós não
queremos o confronto com as autoridades, mas quando um governo age como
criminosos, não merecem o respeito do povo. Agora estão a vir com
cervejas, música e promessas, mas nós não vivemos disso. Não queremos
esmola, queremos dignidade e respeito”, asseverou Lúcia da Purificação,
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