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Damásio Sangulungo Agostinho
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Sempre que alguém me fala de sorte e azar, olho pra ele com cara de um idiota, de parvo, de um completo ignorante. Até aqui não consigo conciliar a ideia de existir forças na natureza que ajam a favor ou contra nós... é-me inconcebível, por enquanto.
Em contrapartida, fico boquiaberto quando me deparo com aquelas situações em que, num mínimo de esforço, você consegue tudo o que preconizava.
Vou ser claro:
- Há pessoas que têm muita sorte (é o que dizemos, na falta de uma expressão melhor), tudo lhes vai bem. Nasceram numa família boa, cresceram fortes física e intelectualmente porque sempre viveram bem, estudaram nas boas escolas, sempre estiveram nas melhores vivendas, melhores casas e com dinheiro em dia. Aos 18 anos conseguem o primeiro emprego, conseguem carteira de motorista e carro em condições.
A minha pergunta seria: - quem planejou isso pra vida dessas pessoas? Foi Deus? Então podemos chamar de sorte?
Outro estilo de pessoas:
- Nascem doentes, famílias miseráveis, sem escola, se conseguem é apenas para servirem de exemplo quando se falar de pobreza na sala de aulas, lavras não produtivas, zunga proibida, miséria atrás de miséria...
- Quem planejou essa barbaridade pra essas pessoas? Também foi Deus? Foi Diabo? Então estamos diante do elemento azar?
É deveras complicoso!
Cristina Candeias, na sua obra "A Chave da Vida" fala-nos do Karma, isto é, "uma substância, um elemento, algo que acontece de bom ou de mau, gerando consequência. Outros povos chamam de destino".
Cristina Candeias é uma astróloga que admiro muito, pelo facto de ter sido a primeira a me mostrar que se preocupa bastante com a existência dos seres humanos nessa terra.
Foi a primeira a me mostrar o horóscopo como sendo o retrato das primeiras condições de vida quando a pessoa nasce.
Quando eu me questionava imparavelmente sobre o fenômeno da morte, ela chegou em minha vida e me mostrou que o nascimento era a contagem regressiva para o fim da vida.
Ela me questionou se o ser humano era apenas uma pequena espécie à deriva no grande mar que é a vida... Confesso, não soube responder a esta pergunta.
Quem somos nós?
Quem sou eu?
Qual é o sentido do meu viver?
Será que conheço a viagem que vim fazer nessa terra?
Como explicar as constantes coincidências desse mundo?!
- "O tempo corre veloz, os olhares não se cruzam, não há tempo nem sequer para olhar pro lado... Os nossos filhos cada vez mais crescem sozinhos... Caminhamos na vida de olhos tristes, baços sem cor, semblantes carregados... Caminhamos todos com um fardo que escolhemos para evoluir... infelizmente, só a grande dor nos faz parar e questionar, olhar para dentro de nós e perguntar: << porquê?>>>
Nascemos limitados, com medos, bloqueios, incapacidades, etc. Limitações financeiras, limitações na saúde, desestruturação familiar, problemas no amor... etc etc etc".
Sorte e azar... existem? Eu também não sei!
Se cada um de nós tem uma missão a cumprir, um projecto de vida... também não sei!
NÃO TRABALHO, NEM VOU ESTUDAR EM 2018
- Terminei enrascadamente o Ensino Médio em 2013, pela Escola de Formação de Professores e até aqui estou de mãos cruzadas.
Entrei nessa instituição em 2010, quando acreditávamos que antes mesmo de terminar a formação podíamos ser recrutados para trabalhar. A minha mãe meteu-se em dívidas grossas para me manter na escola, desde as propinas, sapatos e festas de encerramento. No fim do curso, a situação agravara-se, pois, como em qualquer escola, os finalistas têm de entrar com algum valor para a realização da actividade de despedida. A minha batalhadora conseguiu.
Desde aquela altura, 2013, dia vem, dia vai... noite vem, noite vai, as esperanças se mantêm num improvável recrutamento ou concurso público com um bom número de vagas.
São cinco anos de espera, cinco anos de desassossego, de inanição, de dor, de fome...
As nossas lavras não são grandes... requerem fertilizantes... Nunca há!
A casa em que vivemos o dono sempre ameaça nos pôr na rua... não temos saída...
Em 2014, quando vi os meus ex-colegas em grandes preparatórios, mesmo sendo homem, esbocei algumas gotas de lágrimas por não ter havido condições de os imitar. Expalharam-se por toda a Universidade José Eduardo dos Santos e muitos deles conseguiram ingressar.
Os pensamentos eram: << se tivesse emprego, pagava uma FAU privada, pois o tempo passa e nunca espera por ninguém>>...
Em 2015 e 2016 a vontade estava em mim, como fazer? A essa altura já havia adoptado outro estilo de vida. Comecei a trabalhar de mota, Kupapata, para ajudar nas despesas de casa. Conquistei novos amigos, novos parceiros nas motas de duas rodas, epah, a vida dos tempos de escola havia sido ultrapassada.
Não era algo que eu tivesse escolhido, não era isto o que eu quereria pra minha jornada na terra... Sorte ou azar, não havia outro jeito de ter fuba e lambula em casa, experimentar uns grãos de arroz nos fins de semana e quiçá, conseguir alguns pauzinhos de massa nas quadras festivas!
NÃO TRABALHO, NEM VOU ENTRAR NA UNIVERSIDADE EM 2018
- A vida de kupapata estava doce... Bastante doce! Tive os meus clientes que me chamavam Damásio dali, Damásio de lá, levava cargas de gente que depositava total confiança em mim. Levava os filhos alheios à escola e me pagavam nos fins de cada mês.
Os meus planos para 2018 eram de testar na FAU e se não desse certo iria pra Luanda trabalhar de mototaxista também.
Consegui uma namorada que não me complica muito, em casa conseguia ajudar a mãe, e eu... algumas calças dava para comprar.
A dama, por ser muito fixe comigo e com a minha humilde família, comprometi-me com ela em casamento.
- OS PLANOS CAÍRAM!
=> No dia 22 de Dezembro de 2017 as coisas mudaram drasticamente!
Acordei, estiquei os braços, bocejei forte, estive radiante para mais um dia de trabalho.
Foi numa sexta-feira de céu aberto, sol escaldante, dia de fazer dinheiro... Tudo havia corrido bem das 7h às18h... houve paca!
Enfim... O acidente aconteceu por volta das 19h, na Lua Cheia, para quem vai pro município de Ekunha.
Eu estava a andar numa velocidade razoável, porém, não foi tão razoável assim para me repelir do gafanhoto que saía do beco, detrás do Estadio Mártires da Canhala, Caála. Embati contra o carro!
O resto já não pude testemunhar, por isso, não posso contar.
Acordei hoje do coma, fugi do mundo dos mortos e qual surpresa a minha!
Ao lado da cama todos desesperados, dinheiro já não temos, remédios já não temos e eu... Sonhos já não tenho.
À filha alheia eu prometi altar e tapete vermelho... Agora estou aqui... sem dinheiro nem trabalho...
Como faremos?
O kupapatismo acabou... a mota estragou... o sonho de ingressar na universidade uma vez mais desabou!
Meu Deus, o que é isso?!
"Primeiro estudo, mas não consigo emprego na área em que me formei...
Faço os meus biscatos, não dão certo...
Trabalho de mota, agora veio o acidente!
Que mal que eu fiz?!
Por que tudo isso comigo?
Posso até me recuperar, mas já não adianta... Não tenho dinheiro para esse efeito e as inscrições terminam já amanhã, sexta-feira, 19.
Sorte ou azar, a minha vida virou um mar de tristeza... e a minha família vive um inferno insuportável por minha causa...
Que fazer, agora?
Que farei, doravante?
Onde cair morto?!
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Histórias que vêm com o vento
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O Ninguém, na Terra das Lembranças, Huambo!
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